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Biografia

são paulo_ sp_ 1979_ vive e trabalha em são paulo

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O trabalho de Ding Musa, embora centrado na fotografia, abrange também vídeo, desenho e instalação. O artista investiga a autoconstrução do homem na sociedade por meio de um conjunto de metáforas onde frequentemente aparecem materiais de construção, como grades, cubos tridimensionais e tijolos – utilizados também, notadamente, por artistas minimalistas da década de 1960. Da tradição construtiva das décadas de 1950 e 1960, Ding Musa absorve o interesse pelo raciocínio lógico, apresentado em seu trabalho não como condição de certeza, mas em sua falibilidade incontornável: duplos enganosamente iguais, mas sutilmente diferentes, convidam a um estado de atenção aos conceitos de unidade, representação e ponto de vista.

Ding Musa estudou Música e Geografia na Universidade de São Paulo e é formado em Fotografia pelo Senac. A partir de 2002, começou a expor seu trabalho em mostras nacionais e internacionais. Participou das residências de arte tactileBOSCH (País de Gales, 2004); Carpe Diem Arte e Pesquisa (Portugal, 2012); e C.A.J. Artist In Residence Program (Japão, 2015). Trabalhou como diretor de fotografia para cinema, curtas-metragens, séries e documentários, participando recentemente do longa-metragem Campo da Paz, realizado na Palestina.

Suas obras estão em diversos museus do Brasil e do exterior, entre eles os Museus de Arte Moderna de Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza (Centro Dragão do Mar), os Museus de Arte Contemporânea de Goiás e do Paraná, o Museu do Estado do Pará, entre outros. Recentemente, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul adquiriram séries de obras do artista. A Galeria Raquel Arnaud representa o artista desde 2014, ano em que apresentou a exposição individual “Equações”.

 

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Singular ou em duplas, com paralelismos ou espelhamentos, o trabalho recente de Ding Musa faz pensar em equações. Fórmulas químicas, proporções algébricas, equivalências geométricas e equilíbrios de forças. São notações fundamentais para toda a educação porque nos deixam expressar, quantificar e calcular relações entre grandezas mais ou menos abstratas.

Os aparatos de percepção elaborados por Ding Musa (usualmente fotografias, mas podem também ser objetos, instalações e vídeos) compartilham com as equações a comparação entre dois ou mais conjuntos como equivalentes, embora assimétricos. Quer dizer, se existe um sinal de igual, uma seta ou outro signo no meio de uma fórmula, é porque é possível unir dois conjuntos por alguma relação de igualdade, transformação, reação etc. Se a=a’, é porque a e a’ são equiparáveis, mas também suficientemente diferentes para justificar a existência da equação.

Então, se vemos uma imagem composta de dois registros fotográficos praticamente idênticos, iguais enquadramentos de uma parede azulejada em que um espelho reflete outra seção de azulejos brancos, rapidamente entendemos que a (a parcela esquerda da foto) é igual a a’ (a parcela direita). Mas seria necessário provar essa igualdade tão evidente com tal equação fotográfica? Seria preciso imprimir as imagens como uma? Talvez, e sobretudo se notarmos que elas não são de fato idênticas. Primeiro pela diferença entre os atos fotográficos: uma coloca os azulejos da parede em foco, a outra desloca a distância focal entre as lentes para deter-se nos outros azulejos, naqueles refletidos pelo espelho. A diferença, já que são superfícies tão afins, é sutil, confunde-se com a mudança delicada de foco que nossos olhos fazem a todo momento para se manterem cientes da profundidade do que enxergam. A assimetria discreta dessas imagens torna palpável um volume espacial real descrito na superfície fotográfica planar e bidimensional.

Depois, há diferença na superfície mesma das duas partes da imagem. É o que aparece como risquinhos, pontos escuros, falhas minúsculas que podem ser máculas na alvura dos azulejos, poeiras flutuantes diante da lente, ou até imprecisões do papel e da impressão. Não importa, pois o que elas revelam é a falibilidade dos materiais quando instados a corresponder com ideias abstratas. São fissuras distintas em cada metade da obra, as quais demonstram que, mesmo quando organizada como uma equação, a materialidade do real resiste em abstrair-se.

Muitas das obras da exposição de Ding Musa, principalmente quando há duas ou mais partes similares, convidam o espectador a perscrutar possíveis diferenças entre elas. Perceber as relações de equivalência aparente e a infinita desigualdade que a realidade traz. É prática que também auxiliaria a duvidar da pecha de “exatas” que a educação aplica aos campos de conhecimento mais afins às fórmulas e equações.

Mas nem sempre a diferença entre dois é o princípio ativo na obra de Ding Musa. Às vezes, olhamos para uma unidade, como na obra que abre a exposição: um círculo feito de barra rosqueada, também chamada “parafuso infinito”, em cuja extensão pode correr uma rosca, uma “porca”. Aqui não há uma comparação tão evidente. Transbordam metáforas de unidade. O círculo e o ponto. A representação do átomo de hidrogênio. A cobra (a barra) que se faz infinita quando morde o próprio rabo. Se fosse uma equação, poderia ser uma função em que b -> b, quer dizer, em que algo tende a si mesmo. Ou então, em que b tende a infinito (positivo ou negativo). Claro que há alguma espécie de embuste ou truque pois, senão, como teria a porca entrado no parafuso sem pontas soltas? É que nenhuma equação é verdadeiramente finita e fechada. Sua fissura aparece no limite do provável. E a improbabilidade da perfeição se reforça mais adiante, ao final da sala, quando se encontra essa obra por uma segunda vez, idêntica mas diferente. O artista Jeff Wall já disse que, se a fotografia tivesse de ser comparada a uma forma literária, seria com a poesia em prosa. No caso do trabalho de Ding Musa, poderíamos pensar em palíndromos e poemas de estrutura simétrica, ou, olhando um conjunto de vários trabalhos, pensar em contos de literatura fantástica com narrativa circular, em que terminamos mais ou menos como começamos, só que transformados.

No que tange à sua organização compositiva, o trabalho às vezes faz lembrar formas pictóricas, esquemas construtivos com seus planos de cor, ritmos e diagonais. Nesses momentos, não se trata de acidente e tampouco é algo que “justifique” os trabalhos. Seria plausível pensar que isso acontece porque Ding compartilha com a tradição da arte construtiva concreta dos anos 1950 e 1960 o interesse pelo raciocínio lógico, organizado em equações simples, que por isso procura fricções com o desenho geométrico. A diferença é que se lá a lógica deveria prevalecer pura, apenas matizada pela intuição, aqui ela é apresentada para demonstrar seus limites e fissuras, mesmo que sutis.

A cada observador desses trabalhos caberá certa tarefa de raciocínio e projeção lógica, conduzida pela concisão compositiva das obras reunidas. Se no final tudo parecer muito matemático, é possível recomeçar e, simplesmente, brincar de “sete erros”, como nos passatempos dos jornais de antigamente. Em todo caso, é bom não esquecer que mesmo a menor das diferenças, se observarmos muito de perto, no limite, tende ao infinito.

Costumo brincar que existe um fotógrafo anônimo viajando pelo mundo todo tirando sempre a mesma fotografia: ele coloca a câmara num tripé estático e a uma distância fixa, absolutamente frontal frente o objeto a ser fotografo; ajusta muito bem o foco, cuida para que a luminosidade seja uma, espera que nenhum ser humano atrapalhe o campo da objetiva e… clic.

O objeto fotografado varia pouco: um galpão abandonado, uma casa em ruínas, quando muito uma rua deserta.

Todo mundo, no mundo todo, que se interessa em visitar exposições de arte encontra com a produção desse fotógrafo alemão desconhecido. Na Alemanha, nos Estados Unidos, na Venezuela, no Japão, no Brasil. Se existe um novo internacionalismo na fotografia que veio substituir a straight photography ou então aquela fotografia adoradora do “momento decisivo”, é a fotografia desse alemão.

E normalmente, a fotografia desse anônimo e ubíquo alemão, se apresenta rivalizando com as pinturas mais tradicionais: são quase sempre únicas ou com reduzidíssimas tiragens, são coloridas e imensas e têm uma precisão objetiva que seria, talvez, a única dimensão da “especificidade” da fotografia que nela restou.

Ironias à parte, o que se percebe hoje no mundo todo é que discípulos diretos ou indiretos do casal de artistas alemães, o casal Hilda e … Brecher, – fulano, beltrano e sicrano –, com suas fotografias solenes e frias, herdeiras, em última instância, das já longínquas fotografias documentais de indústrias alemãs do século XIX, arrebatou o olhar de muitos fotógrafos espalhados pelo mundo todo, cegando-os para qualquer outra possibilidade do ato de fotografar. Daí a impressão de que um único artista alemão freqüenta todo o planeta, fotografando os previsíveis interiores vazios, as fachadas ruinosas, os detritos da sociedade industrial ou pós-industrial.

Nota-se no trabalho recente de Ding Musa o quanto esse standard da fotografia contemporânea o seduz. Ele também apresenta fotografias vazias de gente. São paisagens da metrópole e tomadas de cenários ermos sempre sedutores pelas dimensões consideráveis, pelo colorido complexo…

Ding parece que às vezes é tomado pelo espírito daquele anônimo alemão ou então é por ele seduzido a tornar-se dele uma espécie de clone. Mais um.
No entanto, algo na constituição de suas fotografias atuais parecem querer resistir a esse processo de possessão. Alguns procedimentos, quer na produção das imagens em si, ou quer na configuração final das mesmas, parecem estratégias de uma determinada resistência autoral que busca se afirmar e suplantar o modelo reinante na cena fotográfica contemporânea.

E quais seriam os subterfúgios usados por Ding para escapar ao modelo da vez?

Sem estabelecer uma hierarquia, é possível perceber na produção do artista, três ardis para o estabelecimento de seu processo de resistência.

Em primeiro lugar, o uso confortável e cheio de intimidade que Ding faz das possibilidades da fotografia digital. Está aí uma estratégia interessante que somada, às seguintes, serão o seu principal trunfo frente à potência do paradigma imposto pelo mercado. Em muitas de suas produções, Ding abusa da capacidade da fotografia digital naturalizar a estratégia da fotomontagem; de transformar uma simulação em “verdade fotográfica”, em “documento”. Aqueles céus não são flagrantes fotográficos, são fraudes que propiciam o estranhamento da “verdade” fotográfica.

Alguém poderia afirmar que aquele fotógrafo alemão globetrotter muitas vezes se vale do uso das potencialidades do programa digital para tornar ainda mais “verdadeiras” suas fotos. Sim, é verdade. No entanto, em muitos dos trabalhos de Ding, ele alia à fotomontagem naturalizada pelo processo digital, a fotomontagem real- e aí estaria a sua segunda estratégia de resistência. Muitas vezes, ao lado de uma fotomontagem virtual, Ding acopla outra fotomontagem virtual, propiciando ao espectador uma narrativa que, então, não se dá apenas “dentro” de cada fotomontagem determinada mas, também entre duas ou mais fotomontagens.

Com esse estratagema, Ding sobrepõe ao (suposto) anonimato requerido pelo padrão da fotografia alemã contemporânea (que ganhou o mundo, como constatei), uma dimensão de subjetividade e arbitrariedade que parece não tem medo de se expor, de revelar-se (e aqui não uso uma metáfora fotográfica).

Ding, hibridizando o parâmetro da fotografia “mais do que straight”, da fotografia alemã contemporânea aos pressupostos da fotografia narrativa dos anos de 1960 e 70 – sicrano, beltrano, etc. –, mesmo não se utilizando do retrato de figuras humanas, mesmo abusando das grandes dimensões, etc., contabiliza, no final, uma nota estimulante de reação à ameaça de se transformar em mais um seguidor anódino do (pen)último grito da moda fotográfica internacional.

Essa característica de insubordinação de Ding frente ao estabelecido vem muito da sua extrema juventude, que o mobiliza para experimentações, mesmo quando o campo da arte mais atrelada ao mercado aponta soluções tão garantidas de sucesso rápido, sem inquietações. Ding ainda testa o meio fotográfico, agora tornado ainda mais complexo e sedutor com a entrada do digital. E nessa série de testes, de repente irrompem achados que merecem aqui serem comentados, dado o interesse que trazem para se pensar a fotografia hoje.

Refiro-me aqui a fotografias como aquela que se intitula Melancia 2. Nela é visível como o jovem Ding ainda se mantém no delicioso processo de busca, de articulação de um repertório visual em que entram não apenas a vasta cultura fotográfica que possui, como também seu interesse pela tradição pictórica e uma juvenil consciência social que se preocupa salutarmente com a miséria e o desperdício em um país como o Brasil. O resultado? Uma das mais interessantes naturezas-mortas produzidas no campo da fotografia no país, nas últimas décadas. Ali é notável como o saber pictórico se encontra com o saber fotográfico, fazendo com que, dessa junção surjam na memória as naturezas-mortas de um Agostinho José da Mota. Essa foto o onipresente fotógrafo alemão desconhecido não ousaria fazer. Graças a Deus!

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