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Biografia

são paulo_ sp_ 1928 – 2017

Na gravura, Arthur Luiz Piza encontrou espaço para a criação de uma nova forma de trabalho, em diálogo com a preocupação construtiva. Nas placas de metal, o artista esculpia formas geométricas variadas, experimentando buris, goivas, pregos e martelos como ferramentas para criar não apenas sulcos na matéria, mas diferentes profundidades, delicadas e ao mesmo tempo incisivas. Além do volume e das formas geométricas, o ritmo é elemento central na pesquisa de Piza. Não se trata de estabelecer uma lógica própria do ritmo em suas superfícies e materiais, mas de procurar, com paciência e contundência, o ritmo próprio de cada composição, organizar e reorganizar incessantemente os elementos em tramas mais ou menos saturadas, sutilmente irregulares e caóticas. 

Piza deu início a suas pesquisas artísticas na década de 1940, quando estudou pintura e afresco com o artista Antonio Gomide. No início da década de 1950, depois de ter participado da primeira edição da Bienal de São Paulo (1951), mudou-se para Paris, onde passou a frequentar o ateliê de Johnny Friedlaender para aprofundar seus estudos sobre as técnicas da gravura. Em seguida, dedicou-se à aquarela e à colagem, processo que logo o levaria de volta às investigações sobre a superfície da gravura. 

Realizou dezenas de exposições individuais no Brasil e na França, entre vários outros países, sendo a primeira no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1958. Ao longo de suas cinco décadas de carreira, participou de importantes exposições coletivas ao redor do mundo, com destaque para a Bienal de Veneza (1966), a Documenta de Kassel (1959) e a Bienal de São Paulo, onde seus trabalhos estiveram presentes desde a primeira até a sétima edição (1951 a 1963), além de outras posteriormente realizadas. Raquel Arnaud representa Arthur Luiz Piza desde 1973.

 

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A obra de Arthur Piza, íntima e discreta, tem reivindicado ao longo de sua trajetória de mais de 40 anos uma atenção inversa às exigências que hoje os processos visuais dispõem e impõem a todos, sem exceção. O mundo se exibe cada vez mais em escala panorâmica, enquanto o trabalho do artista insiste serenamente numa apreensão quase microscópica, nem por isso desatenta aos andamentos contemporâneos. É o que temos visto ultimamente. A poética moderna, que é a de Piza, exige uma convicção que não se abandona de uma hora para outra e que para ele é a dinâmica única do relevo, que tem explorado sistematicamente. Um problema aparentemente simples e que Piza demonstra inesgotável. Assim como o processo da vida que, para quem a vê no microscópio, também é inesgotável e imprevisível; embora o cientista aí procure encontrar certas constantes. Tal como Piza.

A dinâmica do relevo tem uma origem: o desprendimento da primeira partícula. Esse afloramento inicial tem algo do despertar da imobilidade da matéria, o momento em que uma unidade autônoma se confronta com a uniformidade indistinta do plano. Surge um eu. Livre, móvel, incerto, estabelece a oposição entre o todo estático e a unidade dinâmica. Se essa questão o aproxima da arte cinética tanto historicamente quanto processualmente, é preciso fazer uma distinção: o movimento da obra é lento, vagaroso, cumulativo; se dá no tempo, não no espaço. Se transformássemos cada trabalho num fotograma, teríamos uma seqüência cinematográfica perfeitamente estruturada; a narrativa visual das atribulações do personagem partícula, que tem início numa resistência ao movimento e evolui até a plena mobilidade nos trabalhos atuais: o Bildungsroman da partícula Piza.

Nessa dinâmica interna do relevo, na escala da intimidade e da proximidade em que se situa, creio, podemos encontrar um paralelismo entre as tensões de dois grandes artistas: Fontana e Calder. A ruptura do plano de Fontana e a liberdade plena das partículas de Calder. Aí, no ponto intermédio dessas tensões, situa-se o espaço do relevo de Piza. Nele as partículas não se liberam totalmente, não se movem como as de Calder, dão um primeiro passo e, tal como o ato do corte de Fontana, o repetem, diferentemente.
De início o plano é indistinto da matéria. Ambos se confundem. Não é um plano absolutamente abstrato e evoca não uma matéria qualquer, mas sim a matéria primordial, esta que é para a matéria assim como o plano é para a abstração. Árida, seca, dura, crosta indefinida, terra ainda estéril, anterior à vida. Então, o movimento primeiro de fratura do plano não é de ordem abstrata, mas orgânica. Ele tem início com um craquelé, algumas mínimas fissuras, pouco mais que rachaduras e nada mais, que parecem surgir de um tempo fossilizado, vagaroso, quase inerte: a discreta erupção da superfície; o primeiro, lento e difícil rompimento da tensão planar. Ao mesmo tempo em que essa fissura estabelece o rompimento com o plano, ela também define a dimensão e o comportamento primeiro das partículas. Nenhuma delas escapa de início a um comportamento primitivo, gregário, grupal, exemplos de uma regularidade pré-histórica. Ainda está longe o momento da individuação. Cada partícula é parte da totalidade, a qual dá coesão e estrutura. Quando as partículas se movimentam, a direção e a trajetória são dadas pelo conjunto. Não há errância e autonomia. A tensão planar ainda domina as individualidades, e seu movimento natural é harmônico. Inicialmente nem a cor as distingue, possuem as mesmas cores terrosas do plano, traço de um fenômeno primitivo microgeológico ou da vida no nível celular.

É provável que Piza tenha explorado todos os comportamentos possíveis desse pequeno elemento no seu espaço íntimo e frágil. Do conjunto coeso de partículas ao elemento pinçado e recortado da superfície, da unidade definida pelas placas quadradas de metal aos retângulos, losangos e quadrados coloridos, do movimento orquestrado em conjunto que ora se expande ora se concentra, ora é indício de agregação ora de desagregação, do contraste entre a figura da partícula e o fundo, tanto superfície quanto matéria; tela, papel, sisal, aramado, da monocromia – talvez melhor dizer acromia – inicial ao quase neoplasticismo dos últimos relevos. E tudo indica que ainda não se esgotou, que novas possibilidades ainda estão por vir.

Não é estranho, portanto, que o relevo busque experimentar a tridimensionalidade. Esse é um fenômeno recorrente desde o cubismo e, na arte brasileira, provocou resultados singulares. Quando Lygia Clark denominou suas esculturas articuladas de Bichos, não especificou o animal. Simplesmente usou o termo genérico e mais abstrato. Não é o caso do trabalho de Piza. O bicho é o tatu. Creio não poderia haver animal mais apropriado. Só ele e não outro poderia metaforizar a dinâmica do relevo de Piza. A carapaça em escamas do animal, articulada, elástica e flexível, toda ela composta de pequenas placas, unidades que formam uma totalidade móvel e veloz; metálica, como são certos relevos de Piza. Animal que vive na terra, entocado, que pouco dela se distingue na sua cor monocromática, de aparência tão orgânica quanto mecânica, que é praticamente um relevo ambulante. O tatu, enfim, um animal dos mais solitários e de uma autonomia única, a unidade orgânica viva, incerta como a vida.

Afinal, chamando de Tatu este trabalho tridimensional, Piza não fez mais do que reafirmar a experiência fundamental de sua obra; o relevo agora se destaca do chão. Pois não é o tatu a partícula viva que habita o plano primordial que é a Terra?

Publicações

arthur luiz piza

arthur luiz piza

ano: 2002
editora: cosac naify
autor(es): christine frérot, michel nuridsany

Os críticos franceses Frérot e Nuridsany analisam a obra de um dos maiores artistas brasileiros vivos. A edição reúne 160 imagens de gravuras, colagens, relevos, objetos e aquarelas, traçando um percurso visual que vai desde trabalhos de meados da década de 1950 até criações recentes. Uma substancial cronologia, produzida pelo crítico brasileiro Tiago Mesquita, repassa a vida do artista, de 1928 até o ano consagrador de 2002, quando Piza é homenageado com uma grande exposição em Paris, na Fundação Calouste Gulbenkian, e ganha duas retrospectivas no Brasil: na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu de Arte do Rio Grande do Sul.

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