arthur luiz piza_tramas

09 mar_2005 - 20 apr_2005

arthur luiz piza_tramas

TRAMA

ARTHUR

LUIZ PIZA

 

TRAMAS RELEVANTES

Christina Bach

 

Há multo que Arthur Luiz Piza vem adestrando meios, técnicas e materiais – eruditos ou

triviais, clássicos ou banais, nobres ou vulgares – para um convívio atualizado. Já vimos, em suas obras, o desempenho pontual de capachos, alfinetes, areia, cera, prata, porcelana; o rendimento otimizado das gravuras, aquarelas, pinturas, colagens, relevos; especialmente, a promiscuidade e a subversão de tudo isso. Desta feita, não é diferente: o artista escalou as telas de arame industrial que quadriculam o horizonte das grandes cidades para coadjuvar com os já famosos entes geométricos que há décadas freqüentam suas obras. Agora, os pequenos seres coloridos prosseguem acolhidos em ninhos metálicos promovidos por dobras e/ou por superposições do tecido industrial. Tais abrigos volumosos vão alojar igualmente, et pour cause, um sem-número de efeitos paradoxais – o empilhamento das camadas alternadas entre os seus componentes determina leituras ambíguas sobre antiqüíssimas questões ainda indecifráveis.

Os emaranhados aferidos em aço inoxidável, muito brilhantes, respondem especialmente à luz sem vetar um desempenho ótico equivalente a seus ocupantes coloridos. Lembram nebulosas: claríssimas e translúcidas, as tramas prateadas estabelecem uma bruma cintilante, quase uniforme, que realça as presenças mais densas dos itens arrumados em seu interior, não desmerecendo seus matizes: são aliados nas muitas efemérides produzidas pelo objeto. 

Os embrulhos galvanizados em tonalidades mais fechadas e igualmente habitados pela mesma espécie de criaturas geométricas vão contabilizar uma sorte semelhante de curiosos distúrbios visuais. A rede escura, mais atuante que as prateadas, vai acionar um intenso contraste entre os timbres cromáticos entoados pelos dois componentes. Continuam valendo as alegações sobre cooperação entre eles. Novamente não temos como decidir entre as gaiolas e seus ocupantes. As aparições destas obras oscilam segundo as variações de luz e observação, prenhas de configurações e considerações; confundem-nos com a simultaneidade de critérios comportados. Porém, ainda que as leituras norteadas pelo antigo esquema “figura e fundo”, à primeira vista, pareçam obsoletas na avaliação destes trabalhos, a conhecida liberdade dos objetos de Arthur Luiz Piza permite, exige mesmo, que se lide inclusive com o velho tema. No mais, temos de reconhecer: as plaquetas são as eternas divas do artista, são sempre as hostess de suas jam sessions plásticas. Impossível delegar a superioridade definitiva de um ou de outro elemento da composição – recortes ou aramados – indelicadeza não permitida pelas anfitriãs. 

As tramas de ALP não só aceitam descrições explicativas como instigam uma conversa a partir do puro deleite como modo de especulação crítica. O artista fala das aflições pessoais que impulsionaram as tramas, numa redução esclarecedora e mesmo extensível à totalidade de sua produção: A minha obsessão é o arrumar e o desarrumar. Na trama tento criar com o acúmulo de arames um campo propício ao arrumar de minhas formas, às vezes sobre, às vezes entre profundidades diferentes, arrumando e, desarrumando-as nesse espaço, como a procura do escondido. Uma maneira de captar, segurar, prender as formas livres que assim guardadas ou escondidas deveriam manter a tensão que é a delas. Já os desenhos reunidos sob um único título – série desenho tramas – e distinguidos apenas pela numeração seqüencial que os precedem trazem os poligonos aquarelados e distribuidos sobre uma trama ritmada por arabescos de fios negros. Crispadas, as figuras geométricas arrancam em nossa direção, furam o espaço bidimensional, desquitam-se da nebulosa de hieróglifos. Estes desenhos-relevos insinuam-se intimistas, sugerem-se singelos, como que “performados” de modo distraído, “informal”, por assim dizer. Numa segunda visada, no entanto, passam a vibrar numa clave cubista, talvez, ou “formalista”, já foi falado. E, num momento seguinte são capazes de revelar uma terceira índole poética, um comportamento anarquista, por excelência. De fato, são objetos híbridos; sinalizam a ordem da desordem e a desordem da ordem, e de tudo o mais que possa emanar uma qualidade humana. Provando que tamanho não é documento, os trabalhos de Arthur Luiz Piza apontam a complexa relação entre escala e dimensão estética, manobrando capciosamente seu léxico entre sofisticação e despojamento: ornamentação gestual em nanquim, sua cobertura uniforme e ritmada, e os matizes aquarelados das partículas geométricas sutilmente irregulares e apenas semicoladas. A singularidade ostentada pelo artista é sabidamente escoltada por uma sistemática contravenção, sempre discreta, das principais diretrizes artísticas ou teóricas do século passado. Estas obras diminutas dão conta, no entanto, do resumo dos procedimentos libertadores, dos artigos que, há décadas, se encarregam da manutenção do trabalho de Arthur Luiz Piza: Fato é que, pensando bem, as aquarelas são uma importante síntese do meu trabalho, algo que me faz repensar tudo o que fiz até agora. 1

Contaminando o endereço com um frescor mais apropriado aos empreendimentos juvenis, afiançado pelas certezas colecionadas ao longo dos anos, o artista exibe o resultado amadurecido de uma elaboração sintática conduzida por um misto de rebeldia e disciplina. Talvez o maior legado da modernidade. Enfim, trata-se de uma rara oportunidade de se testemunhar uma poética especialmente audaciosa: a coragem de vir a público de modo tão econômico em meio à extravagância da produção cornucópica destes nossos tempos é de uma ousadia absurda. Suas obras chamam para um tête-à-tête, ao contrário da convocação desesperada da escala contemporânea: quem vai gritar mais alto que o resto do mundo?

 

1 Entrevista concedida a Antonio Fernando

Franceschi, em Paris em 1998, para o catálogo

Da exibição Piza: trabalhos recentes no circuito brasileiro do Instituto Moreira Salles, em 1999.

 

imagens da exposição