silvia mecozzi_branco em si

16 ago - 19 out _ 2013

silvia mecozzi_branco em si

A plasticidade característica do mármore permitiu à artista gravar linhas e criar planícies e depressões, como numa mão. Em formato circular, a instalação deve ser sentida pelo público, que pode andar sobre as placas. Segundo Yuri Quevedo, que assina o texto sobre o trabalho de Mecozzi, o branco e o cinza do mármore e os sulcos que o trabalho fez nele, tornam-se matéria etérea e sensual, e intrigam pela luz. “Esses elementos guardam em si seu próprio segredo, e a relação entre eles parece ocultar uma história de relações que se expressa no relevo de um deserto […Espaço do afeto e não da história. Fronteira daquilo que cada corpo sabe de si mesmo]”, conclui.

No Branco de si

Conta-se que Paolo Uccello, no século XV, ao ser convidado por sua mulher a ir deitar-se com ela, exclamou: “Oh! que coisa doce é essa perspectiva!”. Nessa frase, com o engenho da mente, o artista organizava seu cotidiano como fazia em suas composições: a perspectiva não só como o tempo ideal, em que o desenrolar das ações humanas lhe conferia visão acurada sobre um futuro promissor, mas também como espaço que abriga o gesto, lugar da narrativa histórica.

O trabalho de Silvia Mecozzi registra as palmas das mãos e depois esculpe suas linhas no mármore, criando relevos. Primeiramente são fotos em preto e branco que, ampliadas, mostram o tecido do corpo de forma franca e devassada. Depois, esse tecido é depositado sobre placas de pedra por meio de um cinzel elétrico. A artista grava as linhas das mãos e reconstitui no branco as qualidades de um corpo; são planícies e depressões suaves impressas na plasticidade do mármore. A pedra recebe bem esses sulcos, mostrando-os como parte de si. Contido nessa ação está o olhar de quem avista a terra depois de ter estudado o mapa. Conhecendo aquelas linhas bidimensionais, se aventura na construção dos vales e platôs reais, enfrentando o material de sua pele e o mármore.

Nesse embate revelam-se as manchas e veios constituintes da pedra, como na descrição de uma paisagem. As pedras tomam o piso da galeria, deixando de ser mão para se tornarem a aridez de uma terra não explorada. O branco e o cinza do mármore, sua maciez, e os sulcos que o trabalho fez nele são agora matéria etérea e sensual, provocando-nos a perguntar sobre a luz que incide sobre eles e não mais sobre como são feitos. Ao fundo se vê outra peça presa à parede, não mais uma palma, mas uma forma-órgão que foi cinzelada e perfurada. Um corpo estranho que coloniza ao mesmo tempo em que parece contar a verdade sobre aquela topografia. Esse elemento e o piso guardam em si seus próprios segredos, e a relação entre eles parece ocultar uma história que se expressa no território de um deserto.

Mas são palmas, e o espaço que se cria é o do próprio corpo. São marcas distintivas que, neste trabalho, carregam a crença de que nos podem revelar o futuro e dizer quem somos. Diferente dos esquemas renascentistas, a imagem que se obtém não pode ser mensurada, esquadrinhada e revelada, ela encerra seu segredo no gesto que a faz. Esculpir, criando com as mãos a paisagem do corpo – e também a do gesto –, nos faz ver um espaço branco e infinito, não mais palco do desenvolvimento histórico. O corpo se faz ali, topografia de onde se pode avistar seu território íntimo. Enquanto o gesto que constitui o trabalho se esvanece na beleza do material, surge o deserto das palmas. Espaço do afeto, não da história. Fronteira daquilo que cada corpo sabe de si mesmo.

Yuri Quevedo