waltercio caldas_
18 set_2004 - 30 out_2004
É uma poética do intervalo – entre duas coisas, dois signos, dois conceitos, ou entre signo e conceito, signo e coisa. Obra de arte, para Waltercio Caldas, é aquilo que está no meio, que não pertence a nenhum dos dois lados. Tarefa do artista, então, é gerar um resto, um afastamento das partes que chega quase a desfazer o todo, e no entanto, quase por milagre, não o desfaz. A cor, por exemplo. A princípio, é algo inarticulado, inefável, mas Waltercio se aproxima dela segundo o viés da precisão: o grau mínimo que distingue um cinza de um preto, ou o tamanho exato da mancha: que permite que uma área de cor, que em dimensões menores refletiria a luz, comece a absorvê-la. Dessa forma, a cor se aproxima da medida. No entanto, sua força está em manter a exatidão em suspensão, como se fosse algo originário, anterior a qualquer distinção, e não o grau de uma escala. | Nos trabalhos dessa exposição, a cor se defronta com um elemento que tradicionalmente lhe é oposto: o desenho. Em geral, a folha de papel possui um estatuto diferente da tela. Não é fundo, embora sua superfície branca preencha a distância das figuras, nem mero suporte, destinado a desaparecer embaixo da tinta; tampouco é anteparo material, sobre o qual as coisas apoiam, como em grande parte da pintura contemporânea. Ainda que receba uma imagem, o papel mantém sempre, mais ou menos explícita, sua vocação principal: a de ser página, lugar de signos. Sem tentar apagar essa característica, Waltercio exerce sobre ela uma crítica que, levando-a até o limite, a corrói. | Por exemplo: se o papel é página, é indiferente, em princípio, que o desenho seja visto na horizontal, sobre uma mesa, ou na vertical, pendurado na parede. Nos desenhos de Waltercio, ao contrário, pequenas estantes se erguem perpendiculares ao plano, e sobre elas apoiam objetos. Isso não faz o plano do papel parecer concreto – torna mental a noção de apoio e peso. Da mesma forma, quando as linhas do desenho se solidificam e se erguem no espaço, as sombras que projetam não imergem o desenho na luz natural, e sim tornam a luz parte do desenho. Por outro lado, quando o desenho inclui letras ou cifras, estas parecem boiar no espaço, como se o papel, no esforço de incorporar elementos estranhos, perdesse toda consistência. Aqui, nesse estado de suspensão em que a folha perde seu estatuto de lugar da escrita sem adquirir o de anteparo material, aparece a questão da cor: cada linha de nanquim, dependendo de sua espessura e orientação, é um valor cromático diferente. Nesses valores se refletem, como num espectro, as transparências dos copos, a opacidade das pedras, a escuridão absoluta dos pontos de lã. Mas, se a linha é cor, ela é também coisa, porque a cor, quando não é meramente simbólica – ou seja: quando não é citação, mas um evento único e irreversível – é sempre cor de algo. A linha, então, se solidifica e se afasta do papel, adquire existência própria Os pontos viram alfinetes; os parênteses, copos. | As esculturas de parede poderiam ser vistas como transposições em outro contexto das mesmas questões. Mas há mais do que isso. Se, nos desenhos, as operações do artista trazem o espaço ideal do papel para o limiar do espaço real, aqui o problema é oposto: estamos num espaço real, e o trabalho consiste em abrir, dentro dele, uma virtualidade, um não-lugar. Espelho do jazz, nesse sentido, é exemplar: o retângulo preto não é forma geométrica nem cor: é luz – uma luz negativa, mera virtualidade, como se condiz a um espelho. Não há parede atrás dele, fios e hastes não estão diante dele a uma distância definida. Da mesma forma, em Amarelo (), a área de cor não coincide com a parede sobre a qual apoia, nem com a estrutura de aço que recobre parcialmente. O amarelo, neste caso, é uma impressão cromática forte o suficiente para desbordar do desenho em que está inscrita. Mas a cor pode desbordar justamente porque há um desenho que a força; o desenho, portanto, é uma qualidade da cor.
Uma outra escultura amarela, sem título, lembra, por certos aspectos, as esculturas de Antony Caro. Mas, para que Caro pudesse construir suas seqüências sintáticas de formas, era preciso que cada forma tivesse consistência material independente: viga, cano, chapa. Aqui, só temos uma linha de cor. Seria um desenho projetado no espaço?
Em parte, mas não é anamorfose, porque para Waltercio, como vimos, plano já é espaço, e distância não é medida, mas qualidade. | Escrever sobre essas obras se torna, enfim, um exercício mimético: se elas estão no intervalo entre duas coisas, seria necessário encontrar termos que ocupassem o intervalo entre dois termos. Aliás, já começando: um lugar entre intervalo e nuança. | Lorenzo Mammì