sheila mann hara_

22 nov_2000 - 23 dez_2000

sheila mann hara_

Manter o Equilíbrio

 

Sheila Hara ao retomar o arranjo ortogonal da arte de Mondrian, e Van Doesburg não dota de pureza e autonomia plástica os elementos constituintes de sua pintura. Preservando a planaridade, a tela assume um corpo pictórico denso e escorregadio. A aparência diluída da tinta branca empresta uma presença física evidente às formas, que também não se apoiam em um espaço vazio mas em um cambaleante amontoado. O jogo formal subtrai a primazia de um tenso entrecruzar de linhas se concentrando no esforço de manutenção do equilíbrio de formas sólidas e estilhaçadas que se agarram umas nas outras, sob o risco iminente do desabamento.

 

A superfície branca, neutra e disponível, do neoplasticismo, nas mão de Sheila Hara, torna-se mole, fugidia, irregular e fragmentária. As linhas dispostas longitudinalmente nesse relevo logo são amalgamadas. Ao mesmo tempo que dividem a  tela, passam a ser incorporadas ao corpo das pequenas formas brancas. O preto perde a pureza da linha como corpo geométrico e passa a exercer a função subordinada de limite e distância entre os corpos.

 

As formas brancas não se acomodam ao gradeado negro, que parece sofrer com o calor dos corpos que deveria reter. Esta estrutura avariada de blocos brancos e linhas enfraquecidas não sustenta outras formas brancas e as estáveis formas vermelhas, como pode parecer. Dessa maneira não resta nenhum ponto de apoio.

 

Com todos os sinais indicando a queda, o equilíbrio se mantém, a imagem não desaba e nem se desintegra. De que ordem seria esta sustentação? É surpreendente que mesmo diante de tamanho grau de heteronomia dos componentes desta pintura, uma objetividade clássica tenta se estabelecer. Com a clareza e a unicidade necessárias para que estas partes falem artisticamente.

 

A artista já dá como certa a impossibilidade de um novo tipo de equilíbrio construtivo, articulado a partir da tensão entre elementos puros e ideias. Aqui tenta-se garantir que meios despidos de sua pureza e integridade possam constituir um espaço indivisível no interior da tela. Nestes trabalhos, toda sustentação foi eliminada, só restando o limite inferior dos quadros.

 

Tanto a irregularidade formal dos brancos como algumas faixas vermelhas que se sobrepõem ao gradeado preto indicam uma fragilidade e uma indefinição avessas à solidez formal. Ao contrário de Dacosta, as cores nas obras de Sheila não pulsam por trás do contorno. Vibrantes elas irradiam por dentro e contra as linhas. Tal irradiação leva os brancos a se empurram uns contra os outros, e contra a linha e as sólidas formas vermelhas. Movimentando-se desta maneira, nada leva a crer que o pior não venha. No entanto, eles vão se apoiando e encontram sua sustentação em um mútuo equilíbrio dos corpos. Sem titubear, os elementos quebradiços encontram seu sossego quando reconhecem as suas fragilidades.

 

Tal consciência descola o movimento da forma de uma suposta ordem da natureza. Aqui o que existia como possibilidade destrutiva é reconstituido como a chance destes estilhaços falarem artísticamente num espaço em que a cinvivência de termos antagônicos longe de anulá-los, os potencializa.

Tiago Mesquita