sergio camargo_morfoses
11 ago_ 1983 - 09 set_1983
Trata-se de uma singular experiência do Espaço: transformar a superfície no campo onde a matéria trabalha outros elementos além das curvas, ângulos e cortes. Essa experiência, o método de Sergio de Camargo vai transmiti-la construindo todo o trabalho como a exploração do limite do Espaço.
O conceito de Espaço sempre questionou a natureza da exterioridade. E é para essa natureza que apontam as esculturas, conduzindo sua interrogação identificada com Heidegger “nem o espaço está no sujeito, nem o mundo está no espaço. “É nessa radical semelhança com a afirmação do filósofo que o trabalho pode conduzir o sujeito a uma experiência de posições, de introduzi-lo num percurso, passagens que não existem a priori, na rede de lugares que constituem o corpo da forma: O Campo será o processo de formação dos lugares onde exterior e interior tem que se encontrar. Espécie de “lugar natural”, que realiza uma delicada violência contra os hábitos do olhar.
É através da Densidade que a experiência interior se estende e vai mediar a reflexão, mas o empirismo miope reduz a questão da densidade à massa, ao objeto, à estética. Estranho ao fenômeno, o empirismo o assimila a um conjunto de dados: um fato escultórico. Essa redução não vê a Densidade. E, no entanto, ela está presente nos trabalhos como uma respiração suspensa. Não se trata de simples paralelo com a fisiologia. Observando o trabalho nos encontramos no interior do corpo. Este é o Espaço experimentado pelas esculturas. Do mesmo modo que na língua o corpo se exterioriza e transforma sua presença. Já foi dito que a pontuação teria a ver com a metafísica. E com razão. É no instante em que a fala suspende o fluxo da palavra que sua densidade toma corpo e, no mesmo momento em que se ausenta, torna evidente sua presença na frase. A linguagem constitui seu tempo pela pontuação, o olhar encontra esta duração na Densidade.
Conhece-se o lugar do silêncio da música, abismos de harmonia. Nas esculturas , as interrupções súbitas, a estrutura formal, suas torções, traduzem na pedra um tempo condensado pelo trabalho. É esse tempo, como se estivesse congelado na forma, que possibilita a extensão ser conduzida ao limite numa negação radical.
É evidente. Existe nestas esculturas alguma coisa mais que a sintaxe da ordem construtiva. Por isso temos a percepção dessa presença invisível, desse tempo produzido pela Densidade que não admite a redução a dados imediatos. Além da herança legítima de Brancusi, Kant e Bergson também passaram por ai. Um repertório de formas ou gramática visual não são capazes de dar conta dessa linguagem.
Sergio de Camargo organiza o mármore à maneira do ser. Dai essa empatia entre a materia e o trabalho: a identidade construida, essa densa respiracao, sob controle. Os musicos a conhecm. Ela não pode ser sempre a mesma. A cada nota, uma sutil variacao, aquela da diferenca. As esculturas fixam esses momentos que absorvem o tempo. Esta densidade em movimento, suspensa. Nunca fragmentos da Natureza estiveram tão distantes e tão proximos de sua origem.
Paulo Sérgio Duarte