marina weffort_ da cruva, a reta
24 mai - 02 ago 2025

da curva, a reta
Ana Avelar
Marina Weffort encontra o tecido como suporte e linguagem, invertendo a rigidez estrutural da tradição construtiva brasileira. Ao desfiá-lo fio a fio, revela a memória da matéria e propõe resistência pela flexibilidade. Seu gesto de prender e soltar fios cria estruturas suaves, móveis e sensíveis, como bandeiras ao vento ou peles que respiram.
Embora sensível ao tato e à visão, sua obra exige disciplina e rigor. A artista desenha, corta e desfaz pacientemente o tecido, criando margens, contornos e geometrias com precisão quase cirúrgica. Sua prática valoriza o vazio, a impermanência e a expressão emocional não-verbal, buscando quietude e consciência através da repetição — uma repetição ativa, carregada de intenção.
Na tradição têxtil feminina, Weffort ecoa nomes como Anni Albers que, após a Bauhaus, debateu o lugar da tapeçaria em relação às artes visuais. Albers via o fio como matéria viva, parte de um todo maior, vibrante e contínuo. Weffort opera pelo contrário da tapeceira: ao invés de tecer, desfaz, produzindo por subtração e revelando outras formas de construir. Aponta para os resíduos da indústria têxtil, transformando materiais de consumo em larga escala em obras que eternizam sensações. Assim, explora a linha como fronteira entre rigidez e fluidez, controle e acaso.
Seu trabalho flutua entre desenho e escultura. O tecido desfiado torna-se relevo mole, evocando matéria pétrea por sua paleta de beges e cinzas sutis. Em paralelo, seus desenhos-pinturas-impressões utilizam gesso e grafite sobre tela, realizados com gestos ondulantes, ritmados e velozes. A vibração das linhas lembra ondas sonoras, como se fosse possível ver o som em movimento.
Esses gestos contínuos e alternados, entre o controle e a espontaneidade, criam composições que se desenvolvem no tempo. O ritmo repetitivo remete a práticas meditativas, em que a repetição do gesto amplia o sentido da obra como vivência — quase como um mantra visual. O fazer vira experiência prolongada, um corpo a corpo com o material.
Transparência e opacidade marcam suas séries. Tecidos e relevos provocam o tato, despertando o desejo do toque em tempos digitais. Há sensualidade nos tecidos que vibram e nos rastros de gesso que oscilam entre o visível e o oculto. Como Eva Hesse, Weffort trabalha com materiais industriais e aparência orgânica, explorando a serialidade, o acúmulo e a transformação do cotidiano.
A poética de Weffort é singular, oscilando entre dureza e suavidade, entre lógica e intuição. A artista reflete sobre os sentidos da flexibilidade como força e resistência. Em contraste, a rigidez está associada ao autoritarismo e ao medo da mudança. Estando a obra próxima de provérbios budistas, propõe que a verdadeira força esteja na adaptação. Como o bambu que cede sem quebrar, sua arte convida à reflexão sobre resistência, doçura e transformação — uma força que não se impõe, mas persiste.