marco perigo_caos aparente
12 dez_1989 - 20 jan_1990
CAOS APARENTE
Intimidado pelo caos apresentado na faculdade, quando da minha entrada, entusiasmei-me pela solidez das ideias de gravura colocadas pelo então meu professor Evandro Carlos Jardim. Entusiasmo claro, quando conheci sua obra em uma exposição no MASP no ano de 1973.
Vi.
Revivi questões da minha memória.
Vi minha infância. Morávamos então distantes duas quadras. Eu era um dos protagonistas e esse instante foi observado.
Pensei.
É interessante o que o momento dos outros faz com o momento da gente. Questão principal:
Rememorar.
E por que com a gravura?
Pai marceneiro e sonhador, ensinou-me a viver numa oficina e a conviver com ferramentas. “Um martelo é só um martelo quando se usa. Senão é como esse pedaço de madeira, um objeto.”
Vi os dois e o que compunha este pensamento. Como na gravura?
Lembro-me da grande dificuldade que tinha ao desenhar. Porque, por desinformação minha, da época e do lugar, aceitei que esse ato ficasse ligado no da ideia e sua execução em uma prancheta, abordando um pensamento já concluído. Não construído pelo desenho.
Fui à gravura como se fosse a oficina. Entrei em um atelier.
Dialoguei. Não impus.
Época de ditadura. Amigos próximos fugidos. Reunião na casa do arquiteto Vilanova Artigas.
“Se vocês pretendem alguma mudança será pelo trabalho, só com o trabalho.” Fiquei no atelier.
Procurei entender seus sinais gráficos e o caráter da gravura para comigo. Seria o técnico e ela a arte.
Ouvi meu próprio eco e compreendi que, o homem cria as ferramentas para alcançar esse som interior e sair com ele.
Reconsiderei.
Não poderia ser o técnico e a gravura a arte, porque desse conhecimento surgiu um procedimento.
Essas primeiras imagens que se formaram, ainda foram com preocupações sociais mais evidentes
“Reflexões sobre uma bandeira”
“A um amigo em qualquer lugar”, etc
Após esse período e uma viagem pelos Andes, minha preocupação se voltou à memória da paisagem. Entendi que ao colocar uma linha para definir um espaço, ela não poderia ser mais densa que o próprio espaço. Tinha que estar num todo. Dentro. Contendo também.
Na natureza existe esta integração. Em minha natureza também.
Então tracei.
Percorri a linha com um buril. Criei novos espaços e vislumbrei uma resposta quando disse o artista Lívio Abramo certa vez:
“Em uma linha de uma gravura pulsa sangue.” Sei onde se encontra cada veia minha.
Trabalhei com a profundidade das gravações e com as características do instrumental adquirido, fazendo com que as linhas, os traços de uma ponta seca, de um buril e da águaforte, com os pontos de uma roulete, de uma água tinta se somassem e criassem um sutil relevo, por onde a luz, a do ambiente também, iluminasse de uma outra forma.
Me ocorreu então, que quando gravada, queria penetrar na matriz e chegar às suas veredas para conhecer e se reconhecer. E que nesta caminhada foram ficando marcas, sinais do percurso. Meu rastro.
Então entendi que estendi o traço da vida. Fazendo gravura.
Agora penso.
É interessante o que o momento dos outros faz com o momento da gente e o que a gente espera desses momentos da vida da gente.
– Marcio Périgo