luz, cor e movimento_

17 apr_2008 - 31 mai_2008

luz, cor e movimento_

HISTÓRIA DE UMA VISIONÁRIA   ANTONIO GONÇALVES FILHO

 

Ao organizar a primeira exposição de sua galeria em Paris, em junho de 1945, a francesa Denise René desempenhou um papel decisivo como animadora cultural desses tempos de reabilitação francesa, após cinco anos de ocupação alemã. Na época, as ambições da galerista eram, porém, mais modestas: pagar o aluguel de sua pequena galeria e ajudar artistas emergentes como Deyrolle e Dewasne a comprar material de trabalho. É pouco provável que, mesmo como a visionária que sempre foi, Denise René imaginasse a importância histórica que viria a ter seu nome como idealizadora e organizadora, em 1950, de uma mostra de Mondrian e, em 1955, da primeira exposição mundial de artistas cinéticos, Movement. Vasarely, Soto, Cruz-Diez, Agam e tantos outros devem ao espírito empreendedor e pioneiro dessa mulher a oportunidade de revelar ao mundo uma arte ainda em estado embrionário. Isso num momento em que Denise René vivia em isolamento total, vista com desconfiança por conservadores galeristas parisienses por apostar num bando de “párias”, inclusive latino-americanos, como Soto, Cruz-Diez e Julio Le Parc.

 

Foi só quando o eixo da arte migrou para os Estados Unidos, nos anos 1960, que a Europa começou a enxergar o que essa visionária já vira há tempos: a emergência de uma nova era. Tanto isso é verdade que, dez anos depois da exposição Movement, o Museu de Arte Moderna de Nova York, ao organizar a exposição The Responsive Eye, em 1965, foi buscar Vasarely e outros cinéticos na galeria da francesa, justificando a definição dada a ela pelo poeta e herói da Resistência Jean Cassou, criador do Museu Nacional de Arte Moderna da França: “Denise René não é uma marchande, mas uma militante”. Sem dúvida, ela queria avançar, convencer e explicar aos americanos que, embora financeiramente baqueada, ainda era a França que dava as cartas em matéria de vanguarda artística.

 

Ao organizar a exposição Luz, Cor e Movimento com outra visionária, a brasileira Raquel Arnaud, responsável pela difusão da obra de artistas como Sergio Camargo, Amilcar de Castro, Waltercio Caldas e tantos outros, Denise René cruza o Atlântico novamente, em pessoa e, desta vez, não como militante, mas para provar a fidelidade que manteve nesse meio século com seus artistas: Yaacov Agam, Hugo Demarco (1932-1995), Vasarely (1906-1997), François Morellet, Jean-Pierre Yvaral (1934-2002). Darío Perez-Flores, Jesus Soto (1923-2005), Hahuriko Sunagawa e os dinamarqueses Emmanuel e Freddy Fraek, todos gigantes da arte cinética e presentes na exposição com 15 obras que fazem a ponte entre os anos 1950 e contemporâneos representados por ela na França, entre eles Waltercio Caldas.

Denise René não chegou a essa lista por acaso. Se a galerista hoje ostenta dois disputados endereços em Paris, um no Boulevard Saint Germain e outro na Rue Charlot, ela também perdeu muito por se negar a expor artistas depois consagrados. Yves Klein implorou para expor em sua galeria, mas sua tenacidade e fidelidade às correntes artísticas que elegeu impediram Denise René de aceitar as atitudes “neodadaístas” do compatriota, especialmente depois que Klein fez mulheres nuas rolarem por telas como se fossem brochas improvisadas. Lucio Fontana também foi outro rejeitado. Denise René considerou paródico seu gesto de retalhar telas. Em contrapartida, Arp, Albers e Mondrian sempre tiveram boa acolhida em sua galeria. Isso para não falar dos americanos que abrigou em seu espaço: Indiana, Calder, Carl André, Ellsworth Kelly, Rothko, Frank Stella, Agnès Martin e tantos outros que sua lista poderia concorrer com o catálogo telefônico de Paris. Ou figurar, como figurou, numa exposição a ela dedicada pelo Centre Pompidou em 2001, simplesmente intitulada Uma Galeria a Aventura da Arte Abstrata. Poucas pessoas tiveram essa honra em vida. Denise René é uma delas.

 

*Coletiva com os artistas  Yocoa Agam, Waltercio Caldas, Geneviere Claisse, Hugo Demarco, Emmanuel Fredder Flack, François Morellet, Dario Perez-Flores, Jesús Soto, Haruhiko Sunagawa, Victor Vasarely e Jean Pierre Yuaral