julio villani_composições com tinta e óleo
13 dez_2007 - 01 fev_2008
COMPOSIÇÕES COM TINTA E ÓLEO
Stella Teixeira de Barros
O empenho em captar a realidade brasileira se delineia como espinha dorsal da obra de Julio Villani, que sabe muito bem dos perigos de alienação a que pode estar sujeito quem, como ele, se afastou há cerca de duas décadas do Brasil, optando por viver em Paris. Sem deixar de explorar referentes do cotidiano e da cultura da terra de adoção, filtra-os com crivo crítico, valorizando essas experiências para uma redescoberta do Brasil. Em seu caso, o distanciamento e a memória se mostram favoráveis a um amadurecimento progressivo, conferindo ao trabalho validade estética e lucidez poética.
Nos trabalhos que agora apresenta, fica evidente o quanto se compraz em pintar com tinta e óleo, como ele mesmo gosta de afirmar. Nas pinturas sobre a tela ou sobre o papel, Villani brinca com a cor ao multiplicá-la como colagem, recorrendo ao óleo como elemento de fixação. De uma mesma folha de papel entintada de ambos os lados, extrai formas simples, que recorta com tesoura – o que lhes confere certa imprecisão manual no contorno. Se as descolássemos, seria possível reencaixá-las como em um quebra-cabeça, reconstituindo a
forma original.
Nesse processo, a essência de ácidos graxos que compõe o óleo começa vagarosamente a escorrer para além da área de cor saturada e, onde toca, transmuda a materialidade do suporte, que adquire uma transparência viscosa amarelecida, questionando a adequação da pintura à natureza do suporte. A mera presença da colagem gera campos de forças que
redimensionam o espaço da obra e alertam para a descontinuidade do espaço do desenho pictórico, o que a irregularidade orgânica do óleo reitera. Esses embates insólitos entre materiais tornam evidentes o choque contínuo entre o controle rigoroso da mão e a inexorabilidade do aleatório.
Por vezes, as formas recortadas se sobrepõem a folhas de papel de velhas escrituras, de ordem jurídica a maioria, como indicam selos e outros indícios. Agregam a escrita – um recurso constante na obra de Villani – e interferem como linhas que se contrapõem à pureza das cores, com sentidos superpostos. Mas aqui pouco importa o significado primeiro, pois o que está em jogo é uma estratégia visual que abarca tanto signos como linhas, formas e cores, em permanente tensão.
Vale mencionar que as cores vibráteis dessas obras dialogam estreitamente com o cromatismo matissiano, assim como os recortes se vinculam às estruturas rítmicas e ao lirismo da escultura de Amilcar de Castro. Do mesmo modo, guardam, sob a aparente inocência do recorte quase infantil, sofisticadas estruturas espaciais, conservando ainda reminiscências latentes de pesquisas anteriores, relacionadas com o universo concreto e neoconcreto dos anos 50-60. Ao enfatizar o equilíbrio precário das verticais e horizontais entremeadas pela sinuosidade de círculos e semicírculos dos segmentos de cores expandidas, Villani transforma as massas em entranhas vivas e iluminadas, em que os elementos não permitem prefixar qualquer distinção hierárquica. Não deixam de ser configurações metafóricas em permanente pulsão, que proclamam o conflito de nossa condição no mundo.