frida baranek_deslocamentos
08 jun_2024 - 10 ago_2024
Entre as tantas reinvenções da modernidade, está o fato de termos gradativamente mudado o lugar e o estado das relações sociais. Se na Idade Média o objetivo era perdurar e estabelecer laços fixos e imutáveis, nos tempos atuais o deslocamento e a maleabilidade são chave para a compreensão de um mundo novo e flexível. A teoria acima, descrita pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), evoluiu pelos meandros da mente humana e trouxe reflexões, também, a partir das consequências dessa fluidez que, entre outros aspectos, nos leva a deslocamentos que, muitas vezes, causam a sensação equivocada de que estamos fora de encaixe, talvez no lugar errado, tarde ou cedo demais no contexto histórico no qual estamos todos inevitavelmente inseridos. É sobre esse caminho móvel e diverso que trata Deslocamentos, exposição da artista carioca Frida Baranek na Galeria Raquel Arnaud.
A própria trajetória de Baranek evidencia esse pensamento. Desde cedo, a artista transita pelo mundo, habitando diversos países e adaptando-se de forma versátil ao seu entorno – de São Paulo a Lisboa, passando por Berlim, Londres, Nova York e Paris. Observadora nata do que a rodeia, Baranek apropria-se disso através de materiais que vai coletando pelo caminho. Concentra grande parte de sua pesquisa na materialidade do mundo e, a partir dela, propõe novos formatos: descaracterizando-a em alguns processos e, em outros, reforçando sua potência. A fluidez com que transita com seu corpo pelo espaço físico aparece na polpa e na água que compõem os papéis, fio condutor que orienta o espectador na atual mostra.
Essa camada de celulose, que nas mãos da artista ganha diversas formas e texturas, faz parte de sua trajetória desde os anos 1990, quando, durante um projeto realizado na Alemanha, foi desafiada a criar uma série de trabalhos a partir dessa matéria. Desde o primeiro momento, a mistura fluida ganhou corpo em massas físicas que evidenciavam o processo criativo de Baranek – mesmo no formato bidimensional, a artista trabalha de forma intuitiva e escultórica. Experimentar e transformar materiais são mecanismos naturais de Baranek, que transita com destreza entre os diversos suportes artísticos, desde suas reconhecíveis esculturas em larga escala até a mobilidade contida em um pigmento adicionado ao papel.
Com o tempo e a intimidade adquirida com a matéria-prima, a artista passou a produzir artesanalmente sua própria mistura de polpa e água, experimentando, dessa forma, relevos e gramaturas, e adicionando materiais possíveis na composição de suas séries, como fios de seda, pó de ferro e arames. Em certo ponto, apropriou-se da técnica collagraph, na qual as gravuras são impressas através de chapas plásticas, mais maleáveis e que permitem um grau elevado de experimentação e interferência.
Se, antes, tais deslocamentos levavam a artista a criar majoritariamente corpos labirínticos, hoje Baranek provoca reflexões sobre a impermanência ao trabalhar as camadas feitas em formas mais simples e geométricas. O desencaixe e a fluência da vida moderna e contemporânea, dos quais falava Bauman em suas teorias, reaparecem de forma subjetiva nas duas esculturas presentes no espaço – e que levam o nome desta exposição. Feitas em madeira – matéria-prima da celulose – e acrílico, as obras norteiam o pensamento e o trabalho atual de Baranek, que desfruta do desembaraço da matéria para apresentar suas novas sobreposições. Com a ilusão de que podemos encaixar tais formas geométricas que ali se apresentam de maneira aparentemente descomplicada, somos envolvidos pelas camadas propostas por ela e, assim, nos deslocamos na sutileza das possibilidades.
Ana Carolina Ralston
curadora