franz weissmann_multiplos
17 set_1987 - 30 set_1987
Pulsações de espaço
Em pequenas dimensões e sob a forma de múltiplos, as esculturas de Franz Weissmann tem dois de seus aspectos intrínsecos consideravelmente enfatizados. Primeiro, obviamente, a possibilidade de manipulação permite tornar concretas as várias articulações de cada peça. O que distingue a obra de Weissmann é o seu caráter de situação, a instabilidade essencial, a paradoxal condição de Escultura em Transição, chamando sempre a atenção para os próximos estágios que viria a tomar. Nas peças grandes ou monumentais essa iminência é virtual; aqui a transformação se mostra viável, mas ainda, irresistível: o thrill específico da escultura portátil é o convite para descobrir e revelar todas as suas variáveis. Já a multiplicidade reafirma aquele que talvez seja o móvel principal da poética do artista: a redefinição do conceito de unidade. Evidentemente não será a repetição empírica das peças o que vai assegurar a integridade desse questionamento. Mas que essa repetição se faça de modo tão autêntico e fluente o reforça e prolonga a sucessão e a série termina quase obrigatórias ali onde o que parece antinatural é a forma congelada, única e imutável.
Em um sentido real e urgente, portanto, manipulação e multiplicidade seriam extensivas à inteligência construtiva de Weissmann. Extensivas, não digressivas. E que uma rigorosa lógica de construção, aplicada ao cubo, à fita e ao retângulo, incide ao tato e às mudanças constantes é mais uma prova de sua inquietude básica: uma vez dessubstancialização, o espaço vira proposta em aberto, dúvida e interrogações permanentes e inesgotáveis. E certamente a proposta não se dirige ao indivíduo isolado ou à coletividade pronta. O espaço aparece, isto sim, como construção transcendental, intersubjetiva, uma das instâncias primeiras e fundamentais de sociabilidade. As diversas e imprevisíveis operações de Weissmann convergem todas para a interação entre sujeito e objeto- a interioridade é vazada, o cogito perde assim “solo”fixo de reflexão; a exterioridade, por sua vez, está determinada estritamente pela articulação de elementos em perpétua transformação. Não adquire nunca o peso repressivo da forma consumada. A obra literalmente se desdobra e reitera o trajeto incessante entre o dentro e o fora. O encontro e a confluencia, a fusão de sujeito e objeto, homem e mundo, seria a celebração estética por excelência da obra de Franz Weissmann. Por isto, a meu ver, ela resgata uma certa tonalidade clássica para a arte contemporânea.
Como o de Mondrian, porém, este seria um classicismo aberto, prospectivo, segundo uma ordem assimétrica e contingente.
Para esta espécie moderna de Épica do Espaço, entretanto, a escala reduzida e a casualidade do múltiplo apresentam um perigo singular: a falta da tensão da gravidade ameaça sublimar e até esvaziar a equação paradoxal entre massa e atmosfera. A surpresa e o suspense de uma lógica ligeira e aérea que assume a proporção de monumento- insólito monumento ao ar-livre, por assim dizer- correm o risco de diluição na banalidade do uso cotidiano. Porque a força inesperada dessas manobras voláteis reside exatamente no peso e na densidade que conseguem conquistar e transmitir- na gravidade em suma, com todas as acepções do termo, que as envolve e dimensiona como Arte. Justo para repotencializar e ressemsibilizar a inteligência do simples- e esta escultura só lida com Simples, todas as suas complexas evoluções remetem afinal aos movimentos e passagens do vital e do corpóreo é impossível prescindir da demora reflexiva, o tempo incalculável do pensamento.
Atirados ao fluxo do consumo cotidiano, os múltiplos de Weissmann aceitariam assim enfrentar um desafio tipicamente moderno- o de atrair, no plano da vida comum e concreta, na superfície imediata dos seres e coisas, uma consideração estética profunda. E em meio ao ambiente opaco, tantas vezes opressivo, face à entropia da rotina, renovar a pulsação do espaço, esta mesma que nos faz sentir vivos. Ronaldo Brito -1987