fernando bento_
06 mai_1989 - 31 mai_1989
Existem objetos que nos são absolutamente familares, seja pelo convívio voluntário que estabelecemos com eles, seja pela troca desatenta mas repetitiva a que os espaços comuns nos condicionam. De uma maneira ou de outra estamos sujeitos à força do hábito
que nos impede de ultrapassar a dura camada superfícial que construímos com esses objetos. Para tentar reverter esse progressivo isolamento da percepeção, Fernando Bento através de seu trabalho nos dá mostras de que algo ainda pode ser recuperado. A procura de fenômenos na sua mais pura transparência, ele salta para um abismo profundo onde encontra estruturas simples e primordiais retratadas por uma textura limpa e sem exageros
no uso de tintas; suas cores atingem tons apurados alternando-se entre o opaco e o metálico sem revelar economia na sua complexa composição.
Bento desloca a percepção de uma realidade repleta de significados para uma superfície onde a textura e as cores são a medida do entendimento. Esse reordenamento de funções é empreendido de uma maneira incisiva. A começar pelo formato circular das telas que tal como as lentes de uma câmera fotográfica ou de um microscópio induzem o olhar a penetrar sem desvios os lugares mais distantes como também as fibras dos tecidos mais invisíveis. Se no formato o que está em evidência é a passagem de um lugar a outro, no contéudo repete-se o procedimento: os feixes de linhas em deslocamento se encontram formando uma perturbação no movimento; seja através das linhas opostas que quase se tocam, seja através de suas intersecções. Esse procedimento é levado ao extremo num esforço intenso de criação. Bento realiza um experimento: faz um furo em uma das “rodas” atravessando o material que serve de base para sua investidas; o entalhe da madeira sobressai-se enquanto marca de uma tentativa que ultrapassa seu próprio limite.
Nas telas restantes, a ação enérgica do artesão não perde o vigor originário que as consititui. Os feixes de linhas não vacilam ao se mostraem enquanto vetores de força que encerram em si grandes concentrações de energia, característica presente tanto nos processos de irradiação de luz, como na formação dos cristais.
A tela torna-se assim o instantâneo de um movimento, como se pudesse captar o momento
exato da deflagração desses fenômenos. Neste sentido, o olhar experimenta uma sensação
de recordar aquilo de que já não lembra e pressentir o que ainda não conhece. Essa oscilação da percepção entre um aquém e um além do sensível, a conduz a uma ligeira vertigem que talvez se explique pela verticalidade a qual está submetida. Afinal, ela é merglhada nos fenômenos mais invisíveis, seja pela sua minimidade, seja pela sua magnitude. A consequência imediata é a incerteza: o formato perfeitamente circular da tela parece transformar-se, sem que isso ocorra, em algo levemente ovalado, produto da imersão irresistível ao movimento interno das linhas. A certeza conferida pela apreensão
total do objeto fui frente à dúvida em relação aquilo que se vê. Rompe-se com a monotonia
do olhar e somos levados a sensações paradoxais que oscilam num tênue limite entre algo ligeiramente familar e desconhecido. Invadimos os objetos na sua aparências: instante sigular onde os elementos se fundem.
Talvez seja por isso que ao contemplarmos o trabalho de Fernando Bento, somos absorvidos por uma atmosfera insuitada como se estivéssemos a pressentir um futuro
sufiecientemente próximo da vida cotidiana.
Renê Birocchi