daniel feingold_

04 ago_1999 - 22 ago_1999

daniel feingold_

Pré e pós-cosmos

 

Diante desses trabalhos, um ao lado do outro, é como se os víssemos não lado a lado, mas um o outro lado do outro. Como estar entre dois estados diferente da matéria, sólido e gasoso, que um plano infinitesimal separa, um plano que não é um nem outro, que não é uma passagem mas uma ultrapassagem. Duas séries aparentemente opostas, divergentes e complementares no modo como recusam o plano pictórico pós-moderno como o lugar explícito.

 

Já faz algum tempo o trabalho de Daniel Feingold vem se especializando em evitar o plano; seja apresentando uma imagem anterior a sua definição formal, seja dissolvendo e evitando a solidez pictórica característica da tinta ou tomando como suporte a matéria mais tênue e imaterial – tudo ao mesmo tempo. Então teríamos a falta da imagem na indefinição pictórica sobre uma não-matéria. O que significa a tentativa metafórica de representar o antes, o pré , o tudo ou o nada ao mesmo tempo, ou melhor, fora do tempo. E eis que, nestas pinturas recentes, num salto, ultrapassando o plano – o hábitat da pintura moderna -, estaríamos imediatamente num pós-plano, não mais definido geometricamente e sim energeticamente.

 

Esquematicamente, demasiado esquematicamente até, esse pós-plano é uma espécie de inversão e compressão do espaço pollockiano, se ele pudesse passar pelo corte de Fontana e sair do outro lado da tela. O centro gravitacional pictórico está no interior do emaranhado que se volta para fora da tela como se a direção exterior do espaço interior estivesse interditada. E o espaço surgisse cifrado e comprimido num ideograma energético. A pulsação entre o espaço de dentro e o espaço de fora adquire uma hipertensão. A energia torna a trama geométrica elástica, retesando o desfibrando as coordenadas ortogonais, expulsando a grade de dentro para fora: trânsito impedido, passagem interditada. A saturação e fechamento da grade é o sinal da expulsão de tudo o que anteriormente o trabalho sugeria: a homogeneidade do branco, indiferenciação, calma nirvânica, lenta cissiparidade espacial, longo despertar da imobilidade dormente, primeira respiração da vida.

 

Tudo é substituído pela agressividade ritmica e aceleração urgente, e o indefinido imperceptível e lento que vai ser ainda ou já não é mais fica definitivamente ultrapassado. Entre o tempo visual da espera se impõe agora a atualidade existencial do evento. Uma está demasiado à frente, a outra atrás. No cálculo pictórico desse circuito linear de energia imagino a mesma previsão do corte de Fontana, a contração hipertensa do espaço. Nem mais nem menos, bic et nunc, a inevitável premência do imediato.

 

As trajetórias duras em cor-esmalte traçam um contínuo ricocheteio de partículas como drip-pings sugados por uma violenta aspiração e transformados em fibras rosa, preto, prata e amarelo – as cores inesquecíveis do lavender Mist de Pollock. Cores que, novamente em ação, surpreendem, emocionam até. Visto hoje, Pollock era nada mais nada menos que o cosmos efetivado, a integração harmoniosa do sujeito moderno com o infinito, superada e temerosa contemplação pascaliana. O ilimitado pollokiano não amedronta, encoraja. E o espaço cósmico reaparece no concetto spaciale de Fontana. Então, creio que, para além ou aquém do plano explícito pós-moderno, o trabalho de Daniel Feingold retoma a lição de dois grandes modernos

 

Paulo Venancio Filho