coerência – transformação_

13 mar_1990 - 31 mar_1990

coerência – transformação_

Em certos momentos de uma cultura parece ocorrer um esforço concentrado, uma confluência de propósitos, uam direção da sensibilidade. Mais que uma ação conjunta reflete, na modernidade, o drama individual do artista. Situação defensiva e ofensiva frente ás ameaças de dissolução de qualquer identidade. Defronte ás inúmeras incertezas e dúvidas que não podem ser objetivamente mensuráveis só uma atenção reiterada e intensa ao trabalho pode extrair soluções e propor novas questões. O caráter problemátco da arte moderna exigiu do indivíduo uma permanente tensão entre o tradicional fundo da sabedoria artesanal e a volubilidade e descontinuidade da vida e das novas exigências históricas. A crença no trabalho adquiriu o sentido de investigação e da experimentação incessante onde nehuma certeza podia ser admitida antecipadamente.

 

Ao mesmo tempo as tensões aumentavam quando o puro fato plástico absorvia a totalidade da atenção de sensibilidade. Essa autonomia absoluta que se impunha progressivamente abriu as perspectivas do que se chamou experimentação, inovação, investigação. Palavras que não só por mera analogia, tomadas á ciência, identificam  uma situação que se evidenciou desde o início da arte moderna e se tornou paradigmática na relação Picasso/Braque. Impessolidade, autonomia, anonimato, universalidade, são os termos que definem essa rigorosa experiência da arte.

 

Aqui, este alto grau de consciência só se estabeleceu definitivamente a partir dos anos 50 configurando um núcleo de investigação que pela primeira vez na história da arte brasileira constituiu-se não só como movimento – o construtivismo – mas um período que se processou coerentemente em todas as suas consequências. Delineou um perfil, um sentido ainda provocante e não esgotado.

 

Como já foi notado, talvez se possa falar não de um movimento ou período, mas de um projeto, hoje uma marca na cultura. Creio que o fato distintivo que carcteriza este movimento é a coerência, um rigor de investigação, uma atitude emancipada de pesquisa sem qualquer concessão, que deixou um corpo de obras articulado, uma unidade estrutural fundamental.

 

O diferencial marcante não foi só a reunião de sensibilidades inovadoras, mas a reunião num projeto que não era só construtivo-mas o da implantação e da experiência da arte moderna. Mesmo nos seus limites pode-se facilmente estabelecer um sequência lógica, refletida duramente vivenciada.

 

Deixou um corpo com um a coesão interna onde a identidade é estabelecida pela coerência dos trabalhos. Se o programa construtivo forneceu os dados iniciais, sua face singular aparece em cada trabalho como uma questão reprocessada, sempre em transformação. É na direção particular de cada trajetória que percebemos não uma fidelidade a normas e procedimentos mas uma coerência no processo de investigação, desafiando impasses e, em alguns casos, levando o trabalho até a dissolução. A qualidade de um trabalho não pode ser só medida pela coerência a certos princípios, mas a coerência de um trabalho e a coerência de um determinado momento podem assumir um valor num meio ainda precariamente emancipado. Aparece aí uma manifestação que pode ser percorrida de um trabalho a outro, de um artista a outro, estabelecendo um sentido, uma identidade que não é formal, externa, estilística, mas interna.

 

Este fenômeno, creio, já está definitivamente integrado á cultura brasileira, é uma marca da sensibilidade plástica brasileira, aquisição refletida das manifestações modernas desde o cubismo. Está aí, em transformação e transformável.

 

Paulo Venâncio Filho

 

*Coletiva com os artistas  Alfredo Volpi, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Hércules Barsotti, Lygia Clark, Lygia Pape, Milton Dacosta, Mira Schendel, Sergio Camargo, Jesús Soto e Willys de Castro