carmela gross_

dezembro_1995

carmela gross_

Diversamente dos trabalhos produzidos desde o início dos anos 90, este conjunto de objetos de Carmela Gross procura enfatizar sua natureza expressiva, como se esta devesse ser focalizada em primeira instância. Cumpre observar, de passagem, que o trabalho anterior interrogava, sempre em tom genérico e impessoal – e por isto deliberamente negligente em face de suas eventuais qualidades expressivas – o limte em que determinada forma perdia singularidade ( e franqueza expressiva) e se transformava em modelo, matriz de um desenvolvimento repetitivo e fadado a um ciclo permanente de institucionalizações ( lembremo-nos do ambiente conceitual criado por Facas, por exemplo).

 

Era preciso, então, que a forma fosse anônima e que brostasse de uma disponibilidade quase arbitária ( como nas “manchas” da série Larvas), para que se colocasse em questão, antes de mais nada, a condição de aparecimento do singular em meio a um imperativo padronizador qualquer. Pode-se dizer que o desafio consistia, digamos assim, em des-tipificar a forma, de sorte que a proliferação desta ( no caso, o teste de seu desdobramento a uma escala cultural e institucionalizada) não surgisse como derivação heteronômica de uma origem ideal, mas como perseverança produtiva, suscitando permanentemente a tomada de decisões. 

 

Retornando ao pressuposto inicial, admitamos que este conjunto de trabalhos revela, ao lado da atitude mais geral descrita acima, um teor expressivo que os outros deixavam de lado, como espécie de contencioso que naquel momento não cabe ativar. Projetados agora em sua face expressiva, eles suspendem a neutralidade anterior, mantida à base de ações elementares, contudentes mas impessoais e, quer queira, quer não, adentram o território da individualidade, com todo seu corolário de afetos. Porque, uma vez que a obra coloca na mira a questão de expressividade, a ela caberá, necessariamente, problematizar o sujeito desta expressividade. 

 

Frisemos, neste ponto, que se os trabalhos examinnam a noção de individualidade ( mais exatamente, a ideía de uma individualidade naturalizada como expressão), circunscrevendo-a num estratégico entre parênteses, isto não significa que queriam abdicar dela, mas apenas das generalizações e tipificações em que uma história cultural acabou por mergulhá-la. 

 

Convém observar, de qualquer maneira, que a reserva expressiva se introduz aqui como esforço de auto-compreensão de toda condição de expressivdade, tanto quanto para as obras anteriores a repetição e o aparente cancelamento da subjetividade se introduziam não como procedimentos de raiz minimalista, mas bem ao contrário, como recursos formais posto a serviço do sforço de auto-compreensão da singularidade subjetiva. Isto posto, a individualidade não é ponto pacífico para o trabalho, nem o suporte a priori da condiçãp expressiva, mas algo que seguramente cabe construir, e que dece nascer junto com ela, e por causa dela. 

 

Nessa situação, os objetos se mostram herméticos a tudo o que evoque a idéia de sentimento, a tudo enfim que possa sugerir o trabalho de arte como lugar natural de projeção da individualidade, ou enfim como predicado de algo que possa estar posto antes dele. Vale dizer que enunciam o problema dos afetos sem se demonstrarem complacentes frentes a eles, mais radicalmente, sem manifestarem qualquer cumplicidade com eles, como ocorreria numa relação naturalmente hierárquica de tipo sujeito/predicado. 

 

Evidentemente não será fácil a tarefa de entender os mecanismos defensivos e conservadores em que os afetos enredam toda tentativa de auto-compreensão, tarefa que não pode ter lugar senão no próprio terreno de jurisdição deles. Por isto, a stúcia intelectual do trabalho de Carmela Gross consistirá em esvaziar-se de seus conteúdos fenomenológicos ( por intermédio dos quais os afetos pressionam para se exprimir) de tudo o que seja propício ao separar a ação de seu atríbuto expressivo, de sorte que a primeira comparece aqui sim, mas numa obscuridade essencial e estática, desporvida de lógica construtiva e mais tendente às análises ( que não terão fimnem resolução) do que às sínteses generalizadas e ao movimento.

 

Quanto a essa peculiar separação, pode-se dizer que, de fato, o trabalho disseca analiticamente ação, conceito e expressão, sem que com isto deixe de revertê-los continuamente uns nos outros, é importante assinalar, aliás, que a obra de Carmela, embora claramente herdeira das preocupações conceituais dos anos 70, jamais minimizou o contingente, o caótico e o obscuro como índices eloquentes da materialidade de um trabalho de arte. Trata-se de elementos que de resto surgem aqui como um universo lábil e disperso de qualidades expressivas, o dado novo e  extremamente pessoal afirmado no trabalho da artista e que vale a pena registrar por fim. É ele o modo como Carmela Gross desconstrói a ortodoxia das vertentes conceituais, apresentando as idéias no estágio híbrido em que elas ainda trazem algo das coisas externas. Lança-as então em sua aceleração e heterogeneidade originárias, a abstrações da forma com técnicas grosseiras e mecânicas de discriminação da visão. Nada mais avesso, portanto, às tipificações.

 

Sônia Salzstein