ana linnemann_pedras bordadas

23 ago_2000 - 23 set_2000

ana linnemann_pedras bordadas

Escultura Costura                                              Paulo Venâncio Filho 

 

A aparência do trabalho é tão primitiva que pensamos estar em outros eras, diante de coisas cujo sentido há muito deixou de ser intelígivel e comunicável, perdido no tempo e no espaço. Estar constantemente diante do estranho é algo familarmente moderno e contemporâneo e não só exclusivo da esfera da arte. Mas o exclusivo deste trabalho é não se entregar exclusivamente à voracidade do imediatamente comunícavel. Deixar um certo mutismo inquietante próprio às coisas ao redor permanecer; deixar as coisas na condição do “objeto inquietante” de Giacometti. Tão inquietante como uma simples pedra que se encontra no meio do caminho. 

 

Um fazer mudo que lida com objetos mudos, assim pode ser definido o propósito do trabalho de Ana Linnermann. Mas o trabalho, como todo trabalho, é uma maneira de romper 

o mutismo e dar um sentido às coisas mesmo que seja preciso um agir dos mais improváveis como costurar pedras. Não poderia haver técnica mais insensata para lidar com pedras. Não é possível pensar que se pode costurar pedras e, no entanto, aqui se costura pedras. E não se trata de restaurar um fazer arcaico que não se faz mais, através do mais impróprio, pedras; o mais duro e impenetrável. Pedras, aquilo que é mais inacessível à costura. Existe aí quase um apelo ao fantástico e ao mágico, um forte elemento surrealista, logo desmentido pela recusa ao literário e ao simbólico e pela adesão 

irrestrita à plástica moderna e contemporânea. Também a recusa às técnicas industrais e anônimas não significa a um modo de fazer comunitário e solidário. É antes uma lógica plástica que se apropria desse fazer imemorial e solitário e lhe dá uma expressão atual e inusitada, absurda até, como absurdos são os dias de hoje. 

 

Unir pela linha – costurar,bordar,suturar- é o modo de reintegrar as coisas a uma unidade criada, ainda que essas coisas sejam pedras. Agrupar, formar seqûencias, malhas, e também conta através de pedras é ter cada pedra como unidade de tempo e trabalho. Pedra, aqui, também é cálculo, aquilo que é feito com/de pedras. O trabalho é então uma espécie da forma do cálculo e cálculo da forma. O arcaico do trabalho manual se atualiza  no cálculo plástico da escultura costura, um técido sólido, têxtil estrutura de metal e pedra. 

E na delicada agressvidade da trama de agulhas e fios metálicos que tudo reúne uma desconhecida fragilidade se manifesta. Rompida a dura impenetrabilidade é como se a pedra aceitasse abandonar seu isolamento. Costurar e ligar coisas a coisas é construir uma unidade plástica possível: construir um caminho com a pedra que se encontra no meio de caminho. 

 

Desta série de trabalhos passamos a outra com o mesmo impulso poético mas outro resultado; aquela costura que unia pedras agora é invólucro, uma especíe de Parangolé para sólidos geométricos. Cubos e esferas são envolvidas em invólucros de tecidos transparentes. Quando os sólidos naturais atingem a condição de cubos e esferas, eles se transformam em manequins geométricos e o tecido um abrigo vestimenta. A mesma inquietude das coisas permanece agora na tensão e nas torções que se manifestam na superfície do tecido invólucro. Tensão oposta aquela que teceu pedras. Se os Parangolés projetavam o corpo em direção do espaço, esse invólucros restringem o movimento livre de cubos e esferas e estabelecem entre eles um jogo de aproximação e afastamento que tem algo de erótico. 

 

Assim, essas duas séries de trabalhos de Ana Linnermann desescrevem uma condição indecidida e cindida da escultura contemporânea: a oscilação entre dispersão e concentração, entre espaço e objeto, materialidade e imaterialidade.

 

Duas atitudes que buscam dar uma unidade plástica á experência atual da dispersão e que um fazer arcaico pode revelar tanto a nossa condição contemporânea quanto nosso desabrigo essencial.