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Biografia

são paulo_ sp_ 1978_ vive e trabalha em são paulo

A produção da artista trabalha conceitos de movimento, peso e passagem do tempo em diversos suportes, com foco em peças têxteis desenvolvidas a partir de um processo de tecelagem reversa.  Ao desfiar as linhas horizontais ou verticais dos tecidos, Marina confere à trama uma nova estrutura de luz e sombra, tensão e distensão. O resultado é uma reconfiguração cinética da lógica construtiva e escultórica do material original.

Em sua principal série Tecido, a artista estabelece uma constante negociação com a matéria, que cede ou resiste e obedece, como tudo, à lei da gravidade. As obras são exibidas verticalmente e convidam o espectador não ao toque, mas ao sopro – já que basta um leve vento para colocá-las em movimento. Com rigor, ela leva sua prática ao limite, buscando novos desenhos que desafiem a ortogonalidade da trama e resultem em estruturas inéditas para explorar dicotomias.

Marina Weffort é formada em Artes Plásticas pela FAAP (2000). Realizou exposições individuais na Galeria Marilia Razuk (2016, 2014 e 2010) e no Centro Cultural de São Paulo (2009), onde recebeu o prêmio aquisição. Ela também participou de diversas exposições coletivas como Em Espera, com curadoria de Douglas de Freitas no Museu Murillo La Greca (2016); Instável, também com curadoria de Douglas Freitas no Paço das Artes (2012); Nova Escultura Brasileira, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro (2011); Quase Figura, na Galeria Marilia Razuk (2011) e o Programa de Exposições no MARP – Museu de Arte de Ribeirão Preto (2009), entre outras.

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Textos

Em uma simpática casa de numero 51, localizada na rua Sorocaba no bairro Botafogo está a Galeria Cavalo, que recebe agora a exposição “Tecidos” da artista Marina Weffort. Diferente de um espaço “cubo branco” o ambiente da galeria parece nos levar para outro lugar, ou até mesmo o ponto de partida do universo de produção da artista. Os materiais escolhidos para compor as obras da artista são materiais do mundo comum, do ambiente doméstico, nesse caso são tecidos, que agora se apresentam desfiados, em alguns casos, quase desfeitos.

Através de sua minuciosa operação Weffort retrocede o industrial para o manual, faz o caminho contrário à lógica evolutiva da indústria, redimensionando a posição do comum no mundo. O industrializado agora surge reprocessado, se revela como matéria prima bruta, usado em sua total potência formal. Destrinchados esses tecidos são elevados à escultura, desenho ou pintura.

 

A artista traça caminhos. São tecidos de cores claras, de presença leve e frágil. O trabalho é minucioso, é de desconstrução em ordem de construção. Cortes geométricos estruturados na trama dos tecidos definem os espaços, vazados ou desfiados. Os caminhos ali traçados, por mais labirínticos que possam parecer, respondem sempre à trama, sempre horizontal ou vertical, qualquer ação fora dessa regra, anula o trabalho, tudo se desfaz.

Montados diretamente na parede, porem separados dela por poucos centímetros, esses tecidos exibem suas entranhas de maneira silenciosa. Esboçam exercícios de contenção e fuga, fluidez e tenção, vazio e cheio, projetam-se sobre a parede, e pulsam com o movimento ao seu redor.

Marina cria novos espaços. Seus tecidos são como plantas arquitetônicas, tem limites e estrutura pré-definida, se parecem não fazer sentido como planta, é porque não são pensadas pera o corpo humano percorrer, são desenhos para que a luz e o ar percorra por eles, e para que de modo extremante delicado, eles também engulam o espaço ao seu redor.

Certa vez Cézanne disse “O que tento traduzir-vos é mais misterioso, emaranha-se nas próprias raízes do ser, na fonte impalpável das sensações”. É desse modo que Marina opera, razão, matemática e geometria se combinam em impalpável mistério.

 

Oposto, no que diz respeito ao tamanho, ao gigante do

Goya que sentado na linha do horizonte em sua placidez ctônica, se faz invisível pela sua mega dimensão, e à imensidão única do Everest que desaparece com o céu dada sua enormidade, a exposição de Marina Weffort também não se deixa divisar no primeiro momento, por ser igualmente presente e fugidia. A experiência é se defrontar com algo cuja presença vai se construindo diante de nossos olhos de forma delicada e gradual.

A apreensão do que pode haver de fantasmático e assombroso no mundo, mas sem, em momento algum, abrir mão dos meios materiais, me parece muito clara quando nos aproximamos dos trabalhos: o movimento do corpo do observador move os fios soltos, nosso olhar é capturado pelas ondas que se tornam visíveis.

Se ali permancemos até que voltem ao repouso, os tecidos parecem se desfazer diante dos nossos olhos, acontece então um jogo de “revelar e esvanecer”. Sem recorrer a filosofias e contextualizações de discursos artificiais, alheios mesmo ao que se nos mostra, o trabalho de Marina se apresenta, em toda sua sutileza, riqueza e rigor, na articulação da vontade da artista e seu meio de eleição.

Os “Tecidos” têm para mim a propriedade de condensar em seu balanço e equilíbrio, em sua diáfana aparência, aspectos fundantes de nossa existência: sua estrutura mesma, onde o urdume – parte vertical e tensa que dá a estrutura – é atravessado pelos fios da trama, encontram correspondência e são exatamente o que são: a estrutura na qual vivemos e a trama que nela desenvolvemos.

Em um dos trabalhos pode-se ver que sem urdume, sem estrutura, a trama não acontece, ela se derrete, se curva, se dependura nas duas extremidades de seu fim e começo, essa falta de “regra” resulta no escorrimento, no descontrole, belo mas melancólico, que tende ao encontro fatídico das duas extremidades, tudo fica literalmente “ao sabor dos ventos”.

Embora lugar comum, não consigo olhar seus trabalhos sem ver algo de aracnídio: as teias que de maneira eficiente aprisionam os insetos na natureza, aqui resistem à luz e desaceleram sua velocidade, o tempo é refreado – o que aliás sempre acontece quando me vejo diante de um trabalho que me interessa. A sombra móvel das linhas as vezes parecem ter agarrado quadrados e outras formas geométricas, também parecem ter se formado ao longo do tempo, como a formação de nosso planeta, que segundo uma das teorias, teria se formado da aglutinação de poeira cósmica ao longo de bilhões de anos.

Estas sobras do tecido ainda constituído em sua forma original, balançam ao vento junto com os fios que as sustentam, a explicitar fragilidade e potência concomitantes.

Não é apenas por caracterísitcas como leveza e beleza que eles nos seduzem e nos prendem em sua trama, é por conterem em sua constituição, em sua máxima brevidade, coisas que nos pertencem , como um pouco do que intuímos que possa ser, não uma eternidade – parece que perdemos até isso de vista – mas quem sabe alguma bem “longínqua longevidade”.

Três eram as Moiras1 que decidiam a sina de todos na mitologia grega – sua autonomia era tamanha que nem os deuses podiam interferir em seus planos. A narrativa da vida, aqui representada por uma linha, era iniciada por Cloto, que a colocava em um fuso.Láquesis então assumia, puxando o fio e assim decidindo as fortunas e desfortunas de um indivíduo. Por último, vinha a implacável Átropos, responsável por cortar a linha da vida. Também Penélope usava o tecer e destecer de um sudário dedicado ao rei Laerte como uma estratégia para declinar propostas de pretendentes que tomavam seu marido, Ulisses, como morto2.

O fio, ou a linha, é carregado de simbolismos que vão bem além do campo mitológico: da aranha (representação materna no universo de Louise Bourgeois, arquétipo super-heroico no universo de Stan Lee) – à enorme trança da Rapunzel, que lhe salva a vida. A palpabilidade de sua imagem o faz presente em expressões corriqueiras, como “fio da meada” e “por um fio”, e é ele que amarra um dos poemas mais bonitos da língua portuguesa, Tecendo a Manhã3, de João Cabral de Melo Neto. A linha é também a matéria-prima preferida de Marina Weffort.

Seu fazer artístico, no entanto, difere fundamentalmente daquilo que é esperado de obras com tecido, em que há um exercício da construção pela adição. Sobre panos pré-fabricados, Marina pinça fios, retirando-os da trama e assim revelando imagens. Pela própria natureza do processo e do material, as formas criadas são geométricas, e grosso modo retangulares. A artista planeja sua operação de antemão, fazendo marcações em cada um dos tecidos. Erros ocorrem e são às vezes incorporados, levando a imagem a outro lugar, mas raramente são bem-vindos – ocasionalmente fazem com que a artista abandone um trabalho e comece de novo.

Há uma negociação constante com a matéria, que cede ou resiste e obedece, como tudo, à lei da gravidade: Marina trabalha o tecido na horizontal, sobre uma mesa, mas o exibe sempre na vertical. Alguns são pendurados com seis ou quatro rebites, outros com apenas dois na parte superior, deixando a parte inferior mais vulnerável. Todos os tecidos são expostos sem moldura e convidam o espectador não ao toque, mas ao sopro, já que o menor sinal de vento coloca as obras em movimento. Eles seguem uma paleta de cor restrita, em tons pastel, que vão do branco e cinza ao marrom, com uma eventual concessão (ou desvio) para o vermelho.

Por vezes grandes e imersivas, por outras afáveis em escala, as obras são invariavelmente sem título. Suas formas, no entanto, sugerem imagens que lhes rendem apelidos carinhosos, como Marzinho, Ampulheta e Bambu. O que parece um marzinho é um tecido cinza-claro que apresenta listras verticais intactas, deixadas a um intervalo regular, simétrico. Dentre uma listra e a próxima, a artista remove todos os fios verticais, dando lugar a longos desfiados horizontais que, sem a trama original, naturalmente formam pequenas barrigas. A partir de um pouco mais da metade inferior, Marina remove por completo seções finas.

A ausência total da matéria acentua ainda mais essas barrigas, criando a ilusão de ondas contínuas. O trabalho tem só dois pontos de apoio, assemelhando-se a uma cortina. Como em todas as obras da artista, o desfiado permite um olhar através, revelando – com diferentes dimensões de clareza, como neblina – um espaço entre o tecido e a parede.

Há outro trabalho que, observado a certa distância, se assemelha a uma floresta de bambus. A vontade cartesiana aqui é mais livre, e cada um dos “troncos” apresenta uma espessura diferente, bem como cortes horizontais em alturas variadas, enfatizando a dimensão figurativa da composição. Como marzinho, ele é claro, de um ocre esverdeado, mas ao contrário do outro é pendurado com alguns rebites para que fique esticado.

Já a janela cinza dialoga com a floresta de bambus em seu ritmo, porém tem uma vontade intrinsecamente simétrica – e menor escala. Em várias das outras obras expostas, a artista cria formas triangulares, como uma ampulheta ou uma montanha/vulcão. Ou mesmo um triângulo reto, que ora desce, ora sobe, tal qual franjinhas. Todos os tecidos são únicos, mas fazem parte de uma mesma genealogia.

O trabalho que mais foge dessa ordem é uma pequena obra cinza com um grid horizontal. Ela apresenta no topo uma forma geométrica, porém abstrata, que remete a um cometa ou – por que não? – a um retrato de Marge Simpson, que deixa de fora parte do seu icônico cabelo.

Ainda que preferido, o tecido não é a matéria-prima exclusiva da artista. Em paralelo a sua produção têxtil, Marina cria, usando um marrom quase flicts4, aquarelas monocromáticas, que dialogam com seu outro corpo de obras. Algumas de fato se parecem com os tecidos, como se fossem projetos, obedecendo ao rigor do retângulo.

Outras exploram formas circulares, ovais ou híbridas que, quem sabe um dia, irão se formalizar como tecido. Há no seu fazer uma regra básica: a artista molha o pincel com tinta uma vez e trabalha o papel em movimentos regulares até exaurir a cor. A espessura cada vez mais tênue do gesto lembra gradativamente o desfiado do tecido. Vê-se também uma correlação do plano, pois, ainda que os tecidos sejam necessariamente esculturais, em sua forma bruta eles são bidimensionais.

Seja qual for a técnica eleita, Marina explora o rigor da forma, carregado de graça, gingado. Há uma perversão deliciosa em sua geometria imperfeita. Mole, no melhor sentido da palavra.