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Biografia

santos_ sp_ 1958_ vive e trabalha em são paulo

O trabalho de Alberto Martins transita entre a arte e a literatura, tendo a gravura, a escultura e a escrita como plataformas privilegiadas de investigação sobre a natureza do grafismo, do relevo, da escultura e da poesia. Da gravura, incorpora a economia gráfica; da poesia, a concisão. As imagens encontradas em suas memórias de Santos aparecem em sua obra de modo direto, mas ao mesmo tempo sugerido. São formas esquemáticas que lembram caixas, navios e outros objetos prosaicos do porto, por excelência lugar da passagem e do transitório. Além da madeira, o metal é recorrente, ora pintado, ora cru, por vezes coberto com camadas de ferrugem que contam a história do próprio material ao denunciar a passagem do tempo e, mais uma vez, retomar memórias dos navios de Santos. Os sulcos, planos e dobras transfiguram-se em sugestões de transitoriedade que criam no espaço as condições da própria existência do trabalho. 

Alberto Martins mudou-se para São Paulo aos dezessete anos para estudar Letras na Universidade de São Paulo, onde se formou em 1981. No mesmo ano, iniciou sua prática de gravura com Evandro Carlos Jardim, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Em 1985, ganhou uma bolsa para estudar gravura em metal no Pratt Graphics Center, em Nova York. Foi a Montevidéu, em 1989, para conhecer a obra de Joaquín Torres-García, vivenciando um deslocamento que impactaria profundamente sua produção com o rigor da sintaxe e a liberdade da imaginação. 

Em 2007, a Estação Pinacoteca de São Paulo apresentou a retrospectiva “Em trânsito”, reunindo trabalhos produzidos desde 1987. Em 2010, realizou a exposição “Cor, Corte, Ferrugem”, sua primeira individual na Galeria Raquel Arnaud, que o representa desde 2007. Em 2016, realizou a exposição “Lascas”, também na Galeria Raquel Arnaud, com quinze esculturas inéditas. Publicou os livros Poemas (1990); Goeldi: história de horizonte (1995), que recebeu o prêmio Jabuti; Cais (2002), com xilogravuras do autor; entre outros.

 

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Feitas de chapas de aço em formatos geométricos regulares e planos (círculos, retângulos), as peças de Alberto Martins se espacializam a partir de dobras e cortes. Espacialização que, no entanto, não chega a se realizar completamente, fazendo essas peças entreterem um vínculo ambíguo com seu suporte: a parede e o chão.

Tendo trabalhado sempre, e de modo independente, tanto no registro planar quanto no volumétrico, o artista opera agora em um nível intermediário, em relevos verticais e horizontais que ficam entre a escultura e a gravura, como uma forma híbrida das duas. Considerando a trajetória da obra de Martins, podemos dizer que transitividade é, certamente, uma das características cruciais da sua poética. Não é por acaso que a retrospectiva da sua obra na Estação Pinacoteca (2007) tenha se chamado Em trânsito, apresentando uma delicada dialética entre a mobilidade e a fixidez, que ecoava da gravura para a escultura e vice-versa.

No presente trabalho, porém, aquela transitiva permeabilidade temática e material é, de saída, pressionada pelo diálogo com a tradição construtiva, muito forte no Brasil e especialmente em São Paulo. Como dobrar e cortar chapas de aço sem deixar de se medir com os trabalhos de Amilcar de Castro e Franz Weissmann, entre outros? Eis aqui uma das interessantes questões suscitadas por essas peças híbridas. Tanto pela escala quanto pela própria formalização – isto é, a angulação dos cortes e a relação de peso e contrapeso que se estabelece entre os planos –, os relevos de Alberto Martins estão aquém da decidida autonomia formal e estrutural daquelas esculturas. Serão gravuras querendo soltar-se das paredes, ou esculturas sem base, ainda presas ao chão? Ao que parece, apontam, nesse sentido, para algum tipo de impasse espacial, indicando uma passagem.

Ao colocar entre parênteses a autonomia formal e estrutural das esculturas de matriz construtiva, as peças de Alberto Martins se abrem a figurações variadas. Por exemplo, o que nos impediria de aproximar seus círculos, levemente fletidos e pousados sobre o chão, de um grupo de arraias em movimento, ou um lago de vitórias-régias? A metáfora mimética não desagrada ao artista, que ao ser indagado sobre essa questão se lembrou da famosa foto feita por Mário de Andrade na lagoa de Amanium (Amazonas, 1927), onde a miríade de vitórias-régias se rebate e ecoa tanto no chapéu circular do barqueiro quanto na própria forma do seu rosto, que encara o observador [1]. Assim, diz Martins: “plano, superfície, são termos neutros. Mas uma vitória-régia é uma face, e a face não é neutra. Ela é um plano que se volta para algo, e não se encerra em si mesma. No caso da vitória-régia: para o ar, a luz, o céu” [2].

Se já na série de gravuras chamada Cais (década de 1990) o incessante fragor das docas, marcado pelo perpétuo movimento de cargas e de embarcações, aparecia paradoxalmente neutralizado sob a forma da imobilidade e da calcificação, aqui a ferrugem toma explicitamente a superfície das chapas metálicas, acrescentando-lhe uma dimensão turva, que dialoga cromaticamente com o zarcão, o seu avesso físico. Signo da decomposição da matéria, a ferrugem não deixa de ser, também, um indício de vida, de mudança de estado: a intromissão de um processo químico que dispara e revela a organicidade contida no metal, sua porosidade, sua impureza. Saturados de si mesmos, esses incompletos “bichos” de Alberto Martins não se prestam sequer à manipulação. Apenas se voltam para nós, como expressivas “faces” de um tempo que escorre.

notas
[1] Ver ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Belo Horizonte, Itatiaia, 2002, p. 81.
[2] Em depoimento ao autor, fevereiro de 2010.

Publicações

em trânsito

em trânsito

gravuras e esculturas de alberto martins

2007
editora: estação pinacoteca
autor(es): guilherme wisnik; marco buti

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