antonio manuel_sucessão de fatos

22 set_2006 - 11 nov_2006

antonio manuel_sucessão de fatos

SUCESSÃO DE FATOS ANTONIO MANUEL

 

TELHADO FADO. A forma é irregular, disforme, marca um quase circulo rompido à mão, construído com violência e agressividade, cujo propósito é romper, atravessar, libertar. O impulso é o de ir além do obstáculo, papelão, tela, muro, o quê for. Ir ao que está além e ao ainda mais além. O espaço é – deve ser – absolutamente livre, franco. Liberdade que o trabalho de Antonio Manuel sempre buscou através de duas vias, intelectual e física; síntese de energia intelectual e corporal, força da razão e do corpo; para ele, componentes idênticas de um só e mesmo impulso humano, demasiadamente humano. Aqui, construção

geométrica e ação física sempre estiveram juntas, associadas, unas.

Fragilidade e violência, precariedade e precisão, sempre eloqüente, a este trabalho se aplica, integralmente, a frase de Hélio Oiticica: (a) “violência é justificada como sentido de revolta, mas nunca como o de opressão”. O sentido de revolta, a base da obra de Antonio, radical poesia da instabilidade e fluidez da vida – a incivilizada vida brasileira, em primeiro lugar, pois é ela, e aqueles seus terríveis componentes contraditórios de rigor e desordem, miséria e generosidade, injustiça e afeto, é a lúcida poética que este trabalho, ao longo de anos e décadas, vem construindo. Antonio Manuel, assumidamente irresoluto e interrogativo; histórico e atual: o espaço do agora é, sempre foi, sua preocupação: compromisso inadiável com a atualidade saturado da vida. Agora, em Sucessão de fatos estamos acima e no chão, o que é improvável, estranho e instável pisar sobre telhas, desviar de estrelas luminosas de cor, por entre pigmentos solares – luz irradiada que atravessa o piso e nos atinge em vermelho, branco e amarelo, forças cromáticas tão puras e violentas. Logo ali adiante, onde antes já esteve um tanque de óleo de oliva; sumo de Portugal, líquido amniótico do português, agora estão pedras. Ontem óleo, hoje pedras. Pedras prontas para se jogar, em quem? contra quem? E, tal como por cima dos nossos morros estamos neste seu tão verdadeiro e improvável telhado/instalação, utópica vista aérea síntese Rio-Lisboa. Tão preciso e rigoroso telhado trans-lusitano; telhado triste alegre, abrigo desabrigo do corpo nosso de cada dia dai nos hoje sombra e luz: telhado-fado que faz do andar tão onírica instabilidade que ao se deparar com um balde suspenso com água e se deixa mesmerizar ao som ritmado das gotas que pingam lentas e sem parar. Sucessão de fatos; instalação e pintura, ou melhor: “instalação pictórica”; chamaremos assim. Intercessão de campos de pintura, mentais e visuais, com campos de/do trabalho, físico e corporal, campos de cor; “sucessão de fatos” do trabalho; superfície e espaço, campo e terra: cultura. Sendo trabalho, lavoro, work, o que em todas a línguas tem o mesmo significado, a mesma continuidade entre corpo e obra, corpobra: a original e histórica síntese antoniomanuel. Física e intelectual, a dualidade de sentido da palavra trabalho se torna unidade na obra de Antonio. Entretanto, é síntese não estável; inquieta, variável, em permanente experimentação, provocadora e sensível à provocação, sempre e a cada instante atual resposta poética ao fluxo da vida. Atravessar é ultrapassar os limites, tudo colocar em contato, liberar áreas, o trânsito permanente da liberdade. O buraco vai para a tela, o vazio é cheio, e o cheio vazio, da tela para o espaço. Libertar é des-hiearquizar. Telhado no chão, por que não? Alto e baixo, vertical e horizontal, frente e verso, posições intercambiáveis, provisórias, relativas.

Aquele que rompe tudo, que invade tudo, que experimenta tudo, não se prende a nada. Livre está diante de tudo. Se isso se dá no espaço real, do mesmo modo no espaço pictórico e vice-versa. E é o sempre (e inesgotável) confronto indivíduo mundo. Aí está, Antonio Manuel: singular rebelde/positivo, romântico/construtivo. Único.

Paulo Venancio Filho

 

imagens da exposição