olhar sobre a áfrica contemporânea_
01 dez_2004 - 11 dez_2004
Olhar sobre a África contemporânea por André Jolly
“Inédito e provocativo”são bons adjetivos para este evento, que combina uma exposição de obras de artistas africanos contemporâneos, do Benin, com o lançamento da 10ª edição da Revista Imaginário.
Com o tema África, a Revista reúne artigos de diferentes pesquisadores com a proposta de criar um diálogo interdisciplinar que ultrapasse as fronteiras das especialidades. Sua publicação ocorre anualmente pelo Núcleo Interdisciplinar do Imaginário e Memória (NIME) – Laboratório de Estudos do Imaginário (LABI) do Instituto de Psicologia da USP, com patrocínio do Banco Credibel.
O Benin, país de onde se origina grande parte do contingente adricano do Brasil, possui ricas tradições e práticas religiosas de uma poderosa espiritualidade. Não [e por acaso que a espiritualidade Iorubá do antigo Daomé – atual Benin – tenha sobrevivido às vicissitudes da escravidão e do tempo, constituindo um forte componente do candomblé no Brasil, da santería em Cuba e do Vodu no Haiti.
Qual era a imagem da arte africana entre nós? Até há pouco tempo, dava-se algum crédito às esculturas e máscaras africanas antigas que inspiraram cubistas como Picasso, mas a arte contemporânea era “exclusividade”do Ocidente que tratava os artistas contemporâneos africanos com um certo paternalismo, para não dizer condescendência. À África cabia o papel de coadjuvante nas artes entre as categorias de arte naïf, arte primitiva ou artesanato. Hoje, “o destino do artista africano é outro, cruza-se com o do artista ocidental, e sua obra deve ser julgada fora de qualquer contextualização de origem ou de raça”.
No Benin não existe escola de arte, todos os artistas são autodidatas. Entretanto, em uma época em que a informação penetra por todos os recantos do mundo, o artista africano está impregnado dessa informação global, assim como de seu mundo interior, transferindo ao seu trabalho uma visão universal com sólidas raízes em suas tradições.
O Benin, esse pequeno país africano, pode orgulhar-se de seus artistas, que expuseram em todos os continentes, nos últimos 15 anos. Cidadãos beninenses, os artistas Romuald Hazoumé, Edwige Aplogan, Tchif, Dominique Zinkpè e Gerard Quenum expõem suas obras aqui no Brasil pela primeira vez.
Romuald Hazoumé nasceu em 1962 em Porto Novo, Benin. É um dos artistas africanos de maior projeção internacional no campo da arte contemporânea. Desenhava desde a infância. Passou a se dedicar totalmente à pintura e à escultura. Suas primeiras esculturas, feitas a partir de galões de plástico que ele transforma em máscaras estranhas, valeram-lhe, em 1989, o apelido de “artista-galão”. A partir de 1993, através de sua pintura, procura fazer uma “interpretaçao plástica”do “Fâ”. O “Fâ” é o oráculo que preside à divinação, requer uma longa iniciação transmitida de pai para filho. “O FÂ responde a todas as perguntas. O Fâ é Tudo“. As telas de Romuald sugerem a universalidade de signos comuns a culturas que se ignoram. Ele usa pigmentos naturais, materiais orgânicos que ligam a obra às origens do “Fâ”: céu, terra, água e fogo.
Edwige Aplogan nasceu em 1955 em Porto Novo, Benin. Formou-se em Direito e trabalha em Cotonou. A pintura é para ela uma paixão. Há mais de dez anos, Edwige está à procura de uma pintura definitiva em que os personagens estilizados e sem detalhes figurativos, mas de contornos nítidos, estão em geral rodeados de manchas coloridas com se fosse para protegê-los de um universo hostil. O cinza e o azul representam, para ela, toda a afetividade que pode nascer dos atos e das relações humanas. Na sua obra, as formas se apagam para dar lugar a uma festa de cores suaves mas intensas, como revela o título de uma de suas exposições: Ce bleu exactement (“Esse azul exatamente”).
Tchif (Nicaise Tchiakpe) nasceu em 1973 em Cotonou, Benin. Quando adolescente realizava caricaturas para o jornal beninense “La Nation“, mas “não há só a política na vida”. Aos 20 anos, ele se lança na pintura. Usa pigmentos naturais, terra, laterita, papéis, como matéria-prima para suas composições, privilegiando a cor ocre. Olhando para seus quadros pode-se pensar que aparecem fetiches. Será que o uso da laterita é um símbolo da terra africana? Essa interpretação o faz reagir: “A única coisa africana na minhas obras sou eu! Não faço exotismo. Os símbolos que uso, podem ser encontrados em qualquer lugar: a cruz representa o sofrimento, o círculo é a continuidade do homem, os ziguezagues são as felicidades e as dificuldades da vida“.
Dominique Zinkpè nasceu em 1969 em Abomey, antiga capital do reino Fon. Também não quer que suas obras sejam percebidas só pela sua africanidade ou pela referência às tradições. Se, por um tempo, procurou inspiração no Vodu, hoje o seu interesse está voltado às relações humanas, o meio ambiente. “Dizem que meu trabalho é comédia humana. O que tento fazer é uma identificação entre animais e seres humanos. Minha inspiração reside nas emoções”. Ainda que seja pintor, Zimkpè se considera antes de tudo um escultor. Através da sua obra, ele chama a atenção sobre o poder, a opressão, a religião.
Gérard Quenum nasceu em 1971 em Porto-Novo, Benin. Começou com a pintura (à qual está voltado atualmente), mas a particularidade do seu trabalho está no uso de bonecas. Recolhe bonecas abandonadas pelas crianças, as decompõe, as reestrutura e acrescenta outros elementos: madeiras, seringas, fitas vermelhas etc. Um artista – acredita ele – é um mensageiro antes de ser um esteta. “Como artista, posso denunciar o inacreditável“. O que é que Gérard Quenum não pode agüentar? As injustiças sofridas pelas crianças. Várias vezes expostas, suas bonecas provocaram diversas reações. Ticaram a carne viva de grande parte do público, pela sua estranheza e beleza.
Os artistas beninenses mostram uma arte cheia de invenções e vitalidade, ao mesmo tempo em que levantam os problemas da arte contemporânea na Áfrca. Eles têm em comum um discurso direto contra a hipocrisia e as misérias do homem.
Nesta exposição realizada no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, contaremos com a presença de Romuald Hazoumé.
Nossas boas-vindas aos artistas beninenses.