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09 jun_2001 - 28 jul_2001

Tangências: uma relação tão delicada

Tadeu Chiarelli

A relação entre mestre e discípulo, tão comum na história da arte, permanece até hoje mas com profundas alterações. Se antes, a passagem de um saber e de um saber-fazer devidamente institucionalizados, era a função do mestre, cabendo ao discípulo absorver, manter e, no futuro, transmitir todos aqueles saberes, hoje a situação se apresenta bastante diferenciada.

Se a arte hoje não pressupõe a necessidade de manutenção e passagem de conceitos e formas preconcebidas – uma vez que, em tese, cada artista cria para a sua poética as balizas que a justificam -, a relação entre mestre e discípulo tende a perder o caráter hierarquizado, que sempre a caracterizou.

E essa tendência a retirar qualquer suspeita de hierarquia percebe-se, num primeiro momento, no próprio desuso das palavras “mestre” e “discípulo”.

Se antes a relação entre esses dois agentes era verticalizada (o mestre no topo, o discípulo na base), hoje a relação entre o “orientador”. “professor” e seu “orientando”, ou “aluno”, tende a se tornar mais horizontal, mantendo, em alguns casos, uma ligeira inclinação ascensional rumo ao orientador, uma vez que, entre os dois agentes, é ele quem guarda uma maior experiência. E seria o elemento experiência, justa-

mente, a única diferença entre eles. O orientador produziu mais, viu mais, estudou mais e é com essa bagagem que ele orientará seu aluno, ou jovem colega, não porém nos meandros daquele saber preestabelecido, mas sim no contexto dos próprios elementos plásticos/poéticos que o orientando traz como questão.

E essa relação tão delicada pode ser traduzida como um diálogo onde o artista mais velho, percebendo no trabalho do artista mais novo questões e/ou potencialidades, chama  atenção para elas, questionando suas premissas, abrindo outras perspectivas para aprofunda-las, auxiliando o artista mais jovem em seu processo de amadurecimento. E, na verdade, tal diálogo tende a levar a transformações não apenas na poética do orientando como também nas próprias concepções do orientador, que abraça outros questionamentos, frutos desse contato privilegiado com outro artista mais jovem ou menos experiente.

Mas alguém poderia perguntar: o que levaria um artista a escolher outro como orientador? Ou por que aquele artista e não esse? É claro que uma série de circunstâncias poderia aqui ser arrolada. Nesta exposição, por exemplo, temos dois tipos de orientação, motivadas por circunstâncias diferentes. A primeira, de caráter mais informal, está ligada a uma instituição, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, que abre a possibilidade que artistas mais experientes orientem e/ou acompanhem o desenvolvimento do trabalho de artistas em início de carreira. É o caso do trabalho desenvolvido por Iole de Freitas e suas orientandas.

Outra possibilidade, com um caráter mais institucional, é a vivenciada por Carmela Gross e seus orientandos do curso de pós-graduação, junto ao Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP. Os alunos de Carmela, chegaram à sua orientação com o intuito de produzirem um corpo de trabalho, visando a obtenção de um determinado título acadêmico.

O primeiro tipo de orientação pressupõe, por assim dizer, o direcionamento de potencialidades, enquanto o segundo tende a partir de uma realidade de produção artística já existente, em busca de um aprofundamento maior de certas

questões nela contida.

Porém, apesar de todas essas diferenças circunstanciais, as escolhas para essas orientações terminam numa certeza última, e que parece ser fundamental e definitiva: a escolha se dá por afinidade mútua. Não é o orientador quem escolhe o orientando, ou vice-versa. Ambos se escolhem porque, racional ou intuitivamente, os dois percebem que suas poéticas, por mais que possam, aparentemente, se diferir uma da outra, guardam pontos de contato passíveis de frutificarem.

Nesta exposição encontramos Iole de Freitas e Carmela Gross, mostrando a produção de seus orientandos Cleone Augusto e Ivani Pedrosa (Iole) e Daniel Acosta e Geórgia Kyriakakis (Carmela).

Apesar das diferenças perceptíveis entre as trajetórias desses quatro artistas convidados, não se trata aqui, propriamente, de uma apresentação de jovens artistas por artistas

mais experientes, mas sim um convite para que o público possa refletir sobre essa relação tão delicada entre orientando e orientador, e sobre as possíveis tangências entre os trabalhos das duas artistas – referências da arte contemporânea brasileira – e os trabalhos de seus colegas mais jovens.

O visitante que atentar para “Tangências” não como mais uma exposição dentro do calendário de mostras da cidade, mas como um espaço privilegiado para o aprofundamento de algumas questões inerentes ao âmbito da formação do artista hoje, poderá ser testemunha de quanto essas questões podem ser férteis em diálogos sutis, conexões impensáveis e na formação de redes de significação que se estabelecem, parece, além da vontade dos próprios artistas, mas obedecendo uma lógica interna aos trabalhos de arte…

Maio de 2001

*Coletiva com os artistas Geórgia Kyriakakis, Daniel Dacosta, Carmela Gross, Cleone Augusto, Ivani Pedrosa e Iole de Freitas